
"Aquela mulher sentara na varanda da sua casa ao lado de uma cadeira vazia. Era a cadeira do seu marido que fora dormir depois do almoço. Aquela era a rotina.
Ela deixava-o dormindo e sempre ia para a varanda. Tinham muitos filhos, mais de dez. Muitos filhos estavam por ali, outros espalhados pelo Brasil e outros pelo mundo. Eram muitos filhos e muito amor. Ela agora era uma mulher segura de tudo. Muito segura.
Naquela tarde apareceram dois rapazes tão bonitos e tão fortes quanto os seus filhos. Ela os viu aproximar e, embora não os tenha confundido com nenhum dos seus filhos, identificou mais de duas semelhanças entre eles - era como um jogo de sete erros, em que tudo é igual em dois desenhos, mas tem sete erros para descobrir.
Ela ria quando eles pararam na sua porta e perguntaram se aquela era a casa do almirante. Naqueles dias, não havia mais preocupações com os matadores pagos. Ela disse que sim, convidou-os a entrar, mandou trazer um café e eles sentaram na varanda, a cadeira do almirante, ao lado dela, continuava vazia. O que eles queriam e quem eram eles.
- Nós somos filhos do almirante e viemos aqui para conhecer o nosso pai.
Ela perguntou se eles não o conheciam, por que foram abandonados pelo pai tão novos, por que somente agora apareciam.
Ouviu atentamente os dois rapazes e a conversa entre eles foi amável e longa. Ela perguntou e eles responderam. Não havia mentira naquele diálogo.
Ela algumas vezes ria das observações dos rapazes. Deu para eles o endereço de um advogado, explicou quais eram os seus direitos como filhos do almirante.
Os rapazes souberam, então, que aquele não seria um dia bom para que encontrarem e conhecerem o pai. Eles nem tinham desaparecido na rua comprida e larga, com árvores frondosas – todas plantadas pelo almirante. Ela observa o caminhar deles “igualzinho ao caminhar do almirante”.
O almirante chegou na varanda, sentou na cadeira ao lado dela. Carinhoso, apertou a mão dela, apanhou a xícara de café, ainda quente, muito quente, como ele gostava, e perguntou.
- Ouvi vozes aqui na varanda, quem esteve aqui?
- Dois dos seus filhos, dois dos seus mais belos filhos.
O almirante tomou o café quente devagar, levando a xícara devagar aos lábios, acendeu seu cigarro de palha e soltou uma baforada forte.
“Todos os nossos filhos são muito bonitos, são fortes e são saudáveis” ele pensou, beijou a mulher e saiu para a rua.
Ela sorria rememorando o diálogo com os dois rapazes e agora o final de sua conversa com o almirante.
Surreal.
Esta foi a palavra que a bela Augusta encontrou para definir este diálogo travado por sua mãe e tudo o que aconteceu naquela tarde na varanda da casa da rua dos Tinocos, em Parati.