- Como é
que faz agora? Vou subir? Zé Altino imperturbável apenas responde: - Se subir,
voaremos para a eternidade....
Passamos naquele grande e misterioso
mundo verde, nove fenomenais e inesquecíveis dias. Hoje, apesar de tantas
odisseias, guardo com prazer enorme as emoções, tanto boas quanto as nem tão
boas vividas.
Clóvis
Moreira Costa (*)
Protegido por Deus, levado pelo demônio
Voar com Zé Altino é tranquilo sem
contar os momentos em que se tem certeza de que se faz um último voo
principalmente se é daqueles que amam o chão.
A experiência foi traumática,
aliás mais que isto, assustadora. O céu ficou de repente esburacado. Entramos
em uma tempestade, entre Redenção e São Felix do Xingu, no Pará. O voo com
previsão de mais de oito horas começara em Governador Valadares com destino à
Itaituba, quase centro geográfico brasileiro, às margens do rio Tapajós.
Escalas em Gurupi-
Tocantins.
O Cessna 210 se tornara um cavalo
bravo, nunca amansado. Única segurança à vista era estar ao lado do domador.
Entretanto, naquele momento tempestuoso, o comando do avião estava entregue a
Waltinho vulgo Minhoca, (até que parecia mesmo) vinte e poucos anos. Aquela
seria uma de suas primeiras grandes aulas práticas como piloto. Aprendiz,
já descontrolado, nervoso com medo grita:
- Como é que faz agora? Vou subir?
Zé Altino imperturbável apenas responde:
- Se subir, voaremos para a
eternidade....
“Clóvis, codinome da inocência, só
pensava no porquê.”
Entrando ao núcleo teríamos um choque,
tal qual trombada a uma massa d’água e gelo, esclareceu com sorriso o agora sádico
José Altino.
Filho da puta, não disse, mas pensei.
Ainda achando graça, não sei de que
completou:
“Haveremos de encontrar uma saída. Voando
um pouco mais baixo um buraco aparecerá. A saída é um buraco na tempestade em
que possamos ver o céu azul”
Ainda estava de dia.
Mas, Zé Altino não fala dando
ordens:
Gesticulando somente diz a Minhoca para
baixar o avião.
“Para baixo mesmo, o pior que pode
acontecer é um pouso nas árvores”.
Além de sádico deve sentir prazer com a
fatalidade, eu pensava com a mente em tumulto, já com certeza de sua morte
iminente.
Disparatado, comecei a protestar em voz
alta:
- Você vai me matar Zé Altino. Eu vou
morrer aqui. Nossa Senhora, o que eu vim fazer aqui. Sua companhia é risco
constante, porra.
E assim estas três frases se tornaram
refrãos, ora uma ora outra:
- Você vai me matar.
- Eu vou morrer aqui.
- Nossa Senhora, o que eu vim fazer
aqui?
Pela excitação e tensão que vivi ainda recordo
até hoje daquele voo.
Só pode ter sido mesmo Deus pois,
depois daquela merda todo na qual nos enfiamos, surgiu uma abertura meio escura
meio clara e nela mergulhamos ou melhor, de dentro da dita para uma rasante sobre
as copas das árvores.
Mal saíramos da tempestade, e o infeliz
ainda ria. Mas, aí pude perceber que era de mim mesmo.
Puto sô. Me olhava e achava graça.
Cacete, se queria ir para o inferno que fosse sozinho, ora.
Já no solo, Ave Maria, sentíamos um
cheiro estranho até Zé Altino aconselhar Waltinho, o aprendiz de piloto, a usar
o banheiro.
Só que o pior começaria a aparecer em
série, pois Zé Altino anunciara, em Valadares, em todas as nossas conversas
preparatórias daquele mundo maravilhoso que eu conheceria, que percorreríamos
vários garimpos.
Chegara a hora de entender esta
sentença, “percorrer vários garimpos”, ou seja, subir e descer, pousar, subir e
pousar.
Pousamos no Garimpo do Rato e no
Garimpo Rosa de Maio. Não existia, em nenhum daqueles cinco garimpos que
subimos e pousamos, uma pista asfaltada ou com a terra lisa, nada, nada.
Todas as elas foram abertas com enxadas
e alisadas pelas mãos dos homens que nem sempre desentocavam direito, num lugar
no qual, da noite para o dia, brota se uma nova árvore.
Pousado, ele passava para o pessoal a
indicação dos locais onde deviam tirar os novos tocos e aplainar melhor o chão
desfazendo alguns buracos na lama.
Depois de todos os voos, todas as
subidas e todos os pouso teríamos uma noite sem pesadelos, estes tivemos nas
alturas em cima de uma mata onde os rios antes caudalosos se tornam córregos
como linhas finas finíssimas.
Passamos naquele grande e misterioso
mundo verde, nove fenomenais e inesquecíveis dias, que hoje, apesar de tantas
odisseias, guardo com prazer enorme as emoções, tanto boas quanto as nem tão
boas vividas.
E para se ver o Minhoca hoje, já
comandante Walter. Se o chamarmos de Minhoca, o rapaz acha ruim.
De volta a Valadares, um irmão de José
Altino quis saber:
- Você iria de novo?
Respondi na lata:
- Tá doido? Agora ficou pior ainda. O Zé
está mais velho e, quer saber, penso até que ele enxerga cada vez menos. Agora,
voar com ele não é mais tranquilo.
(*) Clóvis
Moreira Costa, valadarense, é ilustrador e editor de livros