Em um lugar vivo
e em mim mesmo
Rufino Fialho Filho
Uma infância vadia
como o
Mucuri de enchente
Água calma – invadindo a
estrada
Água sensata – colhendo
ribeirinhos
Água-água – acalmando
corredeiras
Uma infância, onde os
adultos viviam
calados e as caixas
falantes
Humorismos em ondas
nacionais
Músicas e sucessos e
carnavais
Tudo seria muito lindo
Lá no longe, no Rio, outro
mundo
De lá vinham horas tensas
das crises presidenciais
Da caixa saia empostada
a voz de um deus de toda a
verdade
repetida como verdade
certa
A vilazinha de Pavão
uma rua que dobra,
sobe e desce o morro
no caminho da gente
Até Pavão,
noventa
quilômetros de poeira,
lama e enjoo
nos jipes, nos regatos,
nas histórias ao ritmo das
marchas,
dos arranques e das
freadas
Viagem puxa conversa
como cafezinho em casa
amiga
Seu Juca e Dona Beza
moram
na sede da fazenda
Sentado, na frente da casa
de onde um dia saiu um
coral
noutro dia, um escorpião
que Dã carregou curiosa
Na calçada acimentada,
o vaqueiro Agibe espera
o relógio avisar
para separar os bezerros
Sai o dia
entra a hora
de Jerônimo,
proibido qualquer ruído
Hoje, mil anos depois,
Seu
Juca e Dona Beza
exigem silêncio
impossível no horário
nobre da televisão
12 bolos para nunca
mentir
A dignidade do homem está em não mentir
Mas, mas.
Mas como menino saberia
o
que era morrer?
Cedo nasceu este meu mundo
distante
Isolado pelos meus voos
fantásticos
no avião de brinquedo
no céu de verdade
no campo de pouso do
Cruzeiro
onde vivia só para minha
alegria
a menina morena
Tempo frio e chuva fina
debaixo da ducha fria
na noite antes de ser
noite
na tarde que segurou a
chuva fina
no prenúncio da noite escura,
fria e gelada