É só um nome de mulher
Para João Cabral
Ouço falarem do poeta que morreu
Dizem que agora o poeta será lido
Dizem que é o maior de todos
O poeta morto aparece
Nariz imenso
Olhos tristes
Dizem que o poeta morto
não mais enxergava
Dizem que deprimido,
triste,
o poeta morto sofria
sofria muito
Não mais podia ler
Não mais podia escrever
Cinco anos
na prisão de si
Uma triste sina
a sina do poeta morto
Cinco anos sem ler e sem escrever
(A terrível prisão)
O poeta sofreu cinco anos
uma longa e triste depressão
Um dia, uma manhã, sentado,
ao lado da mulher,
a sua última mulher,
dizem que também poeta,
o poeta morreu
Morreu rezando
(revelou a mulher
que se diz poeta)
O poeta era ateu
O que rezava o poeta?
- Ateu também reza
Reza?
Reza, certamente,
a oração poema
(Todo poema é
um poema, uma oração.
É, pois é,
é também oração)
O poeta morto
reza ao lado da mulher
que só sabe rezar.
Reza o nome da mulher
o poeta que ama,
que somente ama
(e um nome de mulher é,
muitas vezes,
uma só oração)
que somente ama
(e um nome de mulher é,
muitas vezes,
uma só oração)
A mulher em cujo lado se senta
cuja mão segura a mão do poeta
que não mais escreve versos
que não mais passa páginas
dos versos que o poeta escreve
Escreve e escreve,
limpa, reescreve, lapida, arquiteta
Dizem que
Dizem que
aquele poeta era
um poeta matemático
porque o poeta dizia
que fazia poesia como engenheiro
Era construtor
fazia poesia como pedreiro
pedra sobre pedra
seus versos teriam assim
a consistência da terra
tornada tijolo
pedra terra tijolo
Pó
Só
Pedra
Só
Pedra
Nada mais,
never more.
Nunca mais poeta