quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ANTES DE ULYSSES DE JOYCE



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Não era um álibi




Sete semanas antes da fuga 


para o sul



e antes da prisão


Para um leitor especial em Atlanta, Eua






Carolyne, uma mulher, uma mãe e duas filhas pequenas. Ela era ainda uma mulher exuberante e estarrecedora.


Tinha tudo, inteirona. Além da beleza, uma bunda corrigida e com peitos minúsculos, ela atraía pelo rosto, muito mais e sempre pelo sorriso cheio de dentes brancos. No pega pra ver, na cama, trazia para a cena as pernas “mais perigosas do que as curvas do rio Mucuri”.


Para Elton, nos seus primeiros dias de liberdade, aquela visão o extasiava. Uma mulher, a sua primeira mulher depois da prisão, era um monumento. Não acreditava e. para ter certeza de que aquilo tudo era verdade, não sabia se esfregava o rosto, se dava tapas na cara (Acorda, cara!) ou se fechava os olhos e ficava apenas no sonho. Tudo parecia um sonho como nas lições de La Barca.


- Ela é casada.


Era Marla e o seu alerta para as dificuldades que ele teria. Ela era casada. O marido, um médico alcoólatra, possessivo e, como todos eles, violento. Carolyne somente disse o seu nome quando voltavam do hotel para aquele encontro com Clóvis e Marla num bar em frente à Escola Técnica Federal. Um bar com mesas e reservados para casais.


Carolyne falava tão pouco que, naquelas semanas em que estiveram juntos, descobriria que ela tinha na cozinha o seu melhor recurso de comunicação. Pegue o sal. Pegue o óleo. Pegue o orégano. No final, pratos saborosos e o mais belo sorriso de alegria.


Não era a “sua mulher”. Não seria também. Nunca seria.


Tudo começa quando Clóvis soube que Elton, seu irmão, precisava de um despiste para reduzir a vigilância da polícia política e dos agentes do Exército e que permitisse sua fuga e volta, em segurança, para o Uruguai. Clóvis sugeriu um namoro firme.


- Porra, cara, com uma mulher casada?


- É uma mulher. Basta. Solteira poderia ser pior. E se essa mulher “solteira” pegasse no seu pé, estava triturado, irmão. E, não esqueça, você é um homem comprometido, tem uma mulher em Montevidéu.


O tempo era curto. Duas, três saídas com uma mulher, bastariam. A polícia não ficaria seguindo ninguém em hotéis, motéis, cinemas, bares e boates. Não tinham como saber, mas, com certeza, a vigilância diminuiria em pouco tempo.


A polícia seguia Elton. Sabiam que levava uma comunicação do professor Bayard Demarie Boiteaux a alguém. Estavam dando corda para o bote certo. A polícia se organizava para prender os dois, Elton seria a isca.


Elton e o professor, por sua vez, suspeitavam disso: que a polícia sabia e que ele seria uma isca. Não havia outra saída, tinham que correr o risco. A mensagem, codificada, seria transcrita para um papel e repassada, em Montevidéu para quem se incumbiria de, voltar ao Brasil, entrar em contato com um oficial do Exército, destinatário da mensagem.


O inesperado aconteceu, Elton e Carolyne não largavam um do outro. O namoro que seria de uma semana, duas no máximo já estava no final da terceira semana. Transavam o dia inteiro e a noite toda. Ela decidiu enfrentar o marido e se separar. Não falou nada para Elton.


Em um dos plantões do doutor, no apartamento da rua Guajajaras, o marido entrou pela porta da frente e Elton saiu pela porta da cozinha.


O risco de um marido violento era o caminho mais rápido para um crime passional e não havia porque colocar mais este ingrediente na sua passagem pelo Brasil. Assim, quando soube que Carolyne e as duas filhas sairiam do apartamento e se mudariam para outro na esquina da avenida Amazonas com a rua da Bahia, decidiu acompanhá-la na mudança. Tinha que ajudar aquela mulher, agora uma mulher frágil. E duas meninas, uma de seis e outra de 4 anos.


Quem definiu e bancou a mudança foi o pai de Carolyne. Até, então, Elton não sabia que apareceria um risco muito maior do que um marido e um médico bêbado. O pai de Carolyne, além de banqueiro, rico, poderoso, figura dominadora, valente, estava mais abalado com a separação da filha do que o marido. Mais, isto é que seria importante, andava sempre armado. Ela alertou para os riscos e controlava os horários do pai. Duas horas antes, com total margem de segurança, Elton saia.


Havia um outro detalhe que eles não sabiam, a neta contara ao avô sobre o tal do tio Elton.


Quando a campainha tocou em um horário diferente, Elton viu pelo olho mágico a cara vermelha do pai da Carolyne. Já estava bravo!


No novo apartamento, as portas da sala e da cozinha eram uma ao lado da outra. Não dava para sincronizar a entrada do pai e a sua saída. Não daria tempo. O recurso foi sair pela janela do quarto, ficar no balaústre. Dependurado no parapeito do lado de fora da janela, depois que Corol levasse o pai para o quarto das meninas, ele passaria para a sala e sairia.


Não contavam com a rua da Bahia e os seus edifícios de apartamento. Do lado de fora da janela, Elton descobriu o que eram aqueles quatro andares. Com as lojas e as sobre-lojas, mais a garagem, os quatro andares se transformam em oito andares. Descobriria também, tremendo, que jamais sobreviveria como equilibrista. E começou a tremer.


Descobriria, mais ainda, que a solidariedade pode ser desvantajosa. Apareceu o primeiro vizinho a apontar para ele do lado de fora da janela. “Não pule!” Outro: “Louco!” Não soube o que ouviu primeiro se foi “Cuidado” “Não pule” Ou se foi já, quase de imediato, a maior torcida da sua vida, e os gritos sacanas “Pule! Pule! Pule!” Pareciam centenas, centenas de caras a olhar, a gritar e a apontar. Um Mineirão na sua frente. Uma grande arquibancada de torcedores e quase que de um time só, o time que queria ver a tragédia e um corpo estatelado no chão.


Certo de que o pai de Carolyne chegaria na janela, não vacilou, pulou para a sala e conseguiu sair do apartamento pela escada. Não esperou nem o elevador. E antes de descer ainda teve a inteligência de subir dois andares. Dar um tempo e descer pelo elevador ao lado de um menino que perguntava para a mãe porque “um homem tinha suicidado”.


No táxi, ficou sabendo que um rapaz tentara suicidar e que o Corpo de Bombeiros já fora acionado.


- Carolyne não dá.


Isto era o que martelava na sua cabeça.


- Carolyne não dá.


No dia seguinte, um telefonema do hospital de pronto socorro.


- Sua mulher tentou suicídio.


Era Marla e ele via o rosto da Marla convicto “Não avisei?”


Com os dois pulsos enfaixados, ele a levou para a casa da sua mãe no Prado e depois para o hotel.


Debaixo do chuveiro, sem as faixas, ela ria do que fizera.


Depois, virou as costas para ensaboá-la. Ali ficaram, sentados debaixo da água até ela adormecer.










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