O Sapateiro João
Pai observa o sapato,
a sola e salto novo
Aos 8 anos, seu tio João,
irmão de dona Zizinha, sapateiro
em Itamarandiba,
inicia-o na profissão.
(Pai queria ser sapateiro?)
Sapateiro não vai além do sapato
(e o seu tio João ia,
Ia até mesmo muito além)
Ele era também músico.
Tocava clarineta muito bem,
(e ia além da clarineta)
até o violão e fazia festas.
Era músico sapateiro
Sapateiro e um músico.
A chamado de seu amigo, Aquiles Reis,
foi para Ladainha,
tornou-se
ali sapateiro, músico e, agora,
funcionário público,
chefe de seção da Estrada
de Ferro Bahia-Minas.
Um diagnostico sonoro:
câncer no pulmão.
A Ferrovia determinou uma Junta
e os médicos decretaram:
nada de câncer, pulmão limpo.
O câncer não ficou sabendo do laudo.
Pior, mesmo assim,
o tio João de pai foi aposentado
e indenizado.
Com sua Dagmar e uma filha adotiva,
mudou para a capital, comprou casa e
tudo o que era deles ficou em cartório
para a filha adotiva.
Na capital, pai visitava o moribundo
todas as semanas.
No final de seus dias,
o sapateiro voltou a ser músico
e dos bons, um excelente músico.
Suas melodias paravam todo um quarteirão.
Era a música que anunciava o dia,
depois dos cantos dos galos.
Dia clareia e chega a música suave
da clarineta saindo de um peito cansado
O cheiro do café, a água do banho,
o rosto lavado, nas casas
Nas ruas, passa aquele que chega
e aqueles que saem
Carros param, os passos ficam mais lentos
e, nas ruas pequenas, curtas
daquela Floresta de Belo Horizonte, anos 30,
ainda sem pressa, os meninos atrasam para a escola,
as beatas esquecem de deus, do horário marcado,
todos paravam um pouco
para ouvir os sons daquela clarineta quase
sem fôlego,
a extrair os últimos movimentos
de um pulmão apaixonado.
A música chegava mais lenta,
Muito devagar
Ela estranhou,
a letra se arrastava
És tanta felicidade
Que nem a metade
Eu consigo exaltar...
Laurinha parou e cantou mais alto
Se um beija-flor descobrisse
A doçura e a meiguice
Que teus lábios têm
Nelsinho fez coro e a segunda voz
Jamais roçaria, as asas brejeiras
Por entre roseiras
Que são de ninguém...
Já eram quatro cantando,
agora já não mais
acompanhados pela clarineta
(ela calou para sempre)
O motorista saiu do carro,
Carlinhos chorava e cantava
Óh, dona do sonho,
Ilusão concebida
Surpresa que a vida,
Me fez das mulheres,
A pequena multidão
reinicia a música.
No último verso, em silêncio,
afasta-se daquela esquina da Floresta
Há no meu coração
Uma flor em botão
Que abrirás se quiseres