A velocidade do olhar
I
Esta sombra na montanha
Este ar, esse cheiro, este
gosto
Não é ar nem sombra, cheiro
ou gosto
De um homem comum
II
À tarde subi para a cela
Pensar no ano que acabou
Planejar o ano que começa
III
Subi as escadas
escapuliram aos meus pés
dois degraus
dez degraus
todos os degraus
dessas intermináveis escadas
dessas intermináveis escadas
IV
Subi imensas e lógicas
referências
Mas o ano passado, passei
preso
- Este ano? Não sei
Posso pensar, então, em
quando sair
para quando sair
V
Amigo, um ano são dias
somados aos dias
(Não existem noites
aprisionadas)
- Os sonhos são livres?
É verdade.
Um ano é isso
tudo, esse monte de dias
Acabarei a carta para Malu
Não sei falar do ano que
passou
VI
Ninguém entenderá jamais
um homem encarcerado
Só, isolado e o seu
pensamento
VII
Ah! Pensar?
Isto, penso, pensei, penso e
sonho
VIII
Tive os melhores companheiros
Nenhum tão amigo e humano
como Dante
Em troca não correspondi na
amizade
e me apaixonei por Beatriz.
Como fui feliz!
IX
Cheguei nesta prisão em
agosto.
Metade do ano
Aqui, o ano acabou
Esse ano que vem aí me
ensinará
outras coisas
No ano que passou,
aprendi como se faz um bom
licor.
Aprendi também a conhecer as
pessoas
Aprendi o mundo
fantástico da nossa gente
Soube quem foi Samível.
X
Feito num dia de sol
igualzinho pelo brilho
o mapa me ensinou a sonhar
na velocidade dos olhos
XI
A revista me trouxe as
mulheres
-
a respiração para
todo os pulmões -
e a interjeição fecunda
suspensa no colapso da
imperfeição