quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A ETERNIDADE



Armadilha








Lúcio Voreno 






Eu ouvi

seu grito no fundo



Eu ouvi

(no seu grito)

sua vontade de viver



Era (também) a minha vontade


Era a minha sobrevivência





Eu ouvi



Eu senti




Feriu em mim


Na noite em que da mãe


o dente doeu, o dente sangrou


Como um dente, como a vida


Doeu em nosso sonho,


Na fala quebrada


Doeu na minha lágrima e no desespero


Como na barriga grávida que murcha

No sonho que murcha e seca


É você


Nosso sonho.





Um sonho que eu e ela


(além dos outros dois)


tivemos que enterrar.




Era longe o seu grito


Distante como o sonho


Um sonho vivido antes de ser


verdadeiro  -  era você gente e sonho





Sonho e verdade


Tocar na barriga


Apalpar


Quanto sofrer uma mão que guarda


vestígios, quase cicatrizes, do apalpar




Um filho que,

malandramente,

se negou



Beirou a vida e escapou


Nosso,  tão nosso

gente nossa




Hoje,



sei que não é mais nem mesmo esperança





Agora, hoje,


ela rearruma a casa,


desfaz  seu lugar,



doa as fraldas


(outro as usará)





E eu?


Eu guardo o berço.



Eu desmonto o sonho,


desmonto também este eu,


Eu mesmo me desfaço.


Vazio. Nada.


Nós estamos vazios e aos pedaços



Você foi nossa criança


Você rasgou de felicidades as nossas vidas




A vida se dá em eras, em milênios,



em séculos, em décadas, em anos, em meses



e a nossa eternidade


durou cinco meses e acabou.







abril, dia 28