Eu ouvi
seu grito no fundo
Eu ouvi
(no seu grito)
sua vontade de viver
Era (também) a minha vontade
Era a minha sobrevivência
Eu ouvi
Eu senti
Feriu em mim
Na noite em que da mãe
o dente doeu, o dente sangrou
Como um dente, como a vida
Doeu em nosso sonho,
Na fala quebrada
Doeu na minha lágrima e no desespero
Como na barriga grávida que murcha
No sonho que murcha e seca
É você
Nosso sonho.
Um sonho que eu e ela
(além dos outros dois)
tivemos que enterrar.
Era longe o seu grito
Distante como o sonho
Um sonho vivido antes de ser
verdadeiro - era você gente e sonho
Sonho e verdade
Tocar na barriga
Apalpar
Quanto sofrer uma mão que guarda
vestígios, quase cicatrizes, do apalpar
Um filho que,
malandramente,
se negou
Beirou a vida e escapou
Nosso, tão nosso
gente nossa
Hoje,
sei que não é mais nem mesmo esperança
Agora, hoje,
ela rearruma a casa,
desfaz seu lugar,
doa as fraldas
(outro as usará)
E eu?
Eu guardo o berço.
Eu desmonto o sonho,
desmonto também este eu,
Eu mesmo me desfaço.
Vazio. Nada.
Nós estamos vazios e aos pedaços
Você foi nossa criança
Você rasgou de felicidades as nossas vidas
A vida se dá em eras, em milênios,
em séculos, em décadas, em anos, em meses
e a nossa eternidade
durou cinco meses e acabou.
abril, dia 28