terça-feira, 22 de outubro de 2013

O VERDADEIRO MEDO

EU E TODOS OS EUS


Jaqueline Penna







“Sinto terror de mim, 

mais que do mundo

Que matéria me ergueu, 

que astro mau?”

Murilo Mendes


Eu aterrorizo-me quando 

surpreendo-me à distância

quando olho meu retrato

(sempre os mais recentes).



Aterrorizo-me com meu gesto impiedoso

Tenho medo de mim mesmo




Medo de encontrar-me comigo

Dobrar uma esquina e de repente

estar frente a frente comigo mesmo

Eu e eu

Ou eu e o meu pensamento

Eu e o meu passado

Ou eu e o meu futuro


Tenho medo de acordar-me 

ao meu lado

de virar 

e dar de frente comigo mesmo



Eu e o monstro que sou eu

Ou eu e o belo que eu sou




De repente não mais de que repente

abro a porta,

depois de ouvir a campainha

só eu ouvi, 

e eu mesmo estou ali,

paradão, sério

(sempre com um sorriso escondido)

pedindo passagem

- Posso entrar?


Como posso negar a mim mesmo

o acesso às minhas raízes

ou à minha casa



Olho para o meu rosto

(não é bem como ver um retrato 

ou um clone ou um filho)

Vejo. Não mudei nada.


- Um belo exemplar de velhaco!

Irônico, debochado,

indiferente, irresponsável,

cá estou eu e eu


(Já agora me percebo um terceiro 

a observar os dois eus).


- Seu nome (deveria perguntar?)


Penso no sentido do nome 

para mim e para um homem

Não há sentido

Há desviacionismo, há maldade, 

há tergiversação


Nome não tem nada a ver, sempre, 

sempre, com o homem


Devo então perguntar


- O que você-eu quer?


Mas o que eu responderia para eu 

que eu não soubesse?


Teatralmente, absurdo

ou uma conversa de palavras


Só olhar e só ser olhado, eu olho eu,

qual dos dois é o que faz esta observação:

o eu que abriu a porta 

ou o eu que pede passagem?




Assim, haveria eus espaciais 

e com marcação diversa no tempo

e no espaço desta cena


Haveria, então, dois eus;

por que não existiriam mais

eu plural, eu múltiplo?


Eu que aterrorizo-me

e talvez pudesse sonhar em encontrar

tão perto ou tão longe

um eu que me empolgaria,

apaixonante, enlouquecedor,

um ser bom,

um ser feliz.




“Quando me olho, 


tantas formas palpo

Que o tempo suscitou 

para me plasmar.
...
Vejo-me estranho a mim, 

à minha voz,

ao meu silêncio, 

ao meu andar e gesto”.

(Conhecimento, in Parábola de Murilo Mendes)







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