EU E TODOS OS EUS
Jaqueline Penna
“Sinto terror
de mim,
mais que do mundo
mais que do mundo
Que matéria me ergueu,
que astro mau?”
Murilo Mendes
Eu
aterrorizo-me quando
surpreendo-me à distância
surpreendo-me à distância
quando olho meu retrato
(sempre os mais recentes).
Aterrorizo-me com meu gesto impiedoso
Tenho
medo de mim mesmo
Medo de encontrar-me comigo
Dobrar uma esquina e de repente
estar frente a frente comigo mesmo
Eu e eu
Ou eu e o meu pensamento
Eu e o meu passado
Ou eu e o meu futuro
Tenho
medo de acordar-me
ao meu lado
ao meu lado
de virar
e dar de frente comigo mesmo
Eu e o monstro que sou eu
Ou eu e o belo que eu sou
De repente não mais de que repente
abro a porta,
depois de ouvir a campainha
só eu ouvi,
e eu mesmo estou ali,
paradão, sério
(sempre com um sorriso escondido)
pedindo passagem
-
Posso entrar?
Como posso negar a mim mesmo
o acesso às minhas raízes
ou à minha casa
Olho para o meu rosto
(não é bem como ver um retrato
ou um clone ou um filho)
Vejo. Não mudei nada.
-
Um belo exemplar de velhaco!
Irônico, debochado,
indiferente, irresponsável,
cá estou eu e eu
(Já agora me percebo um terceiro
a observar os dois eus).
-
Seu nome (deveria perguntar?)
Penso no sentido do nome
para mim e para um homem
Não há sentido
Há
desviacionismo, há maldade,
há tergiversação
há tergiversação
Nome não tem nada a ver, sempre,
sempre, com o homem
Devo então perguntar
- O
que você-eu quer?
Mas
o que eu responderia para eu
que eu não soubesse?
que eu não soubesse?
Teatralmente, absurdo
ou uma conversa de palavras
Só olhar e só ser olhado, eu olho eu,
qual dos dois é o que faz esta observação:
o eu que abriu a porta
ou o eu que pede passagem?
Assim,
haveria eus espaciais
e com marcação diversa no tempo
e com marcação diversa no tempo
e no espaço desta cena
Haveria,
então, dois eus;
por que não existiriam mais
eu plural, eu múltiplo?
Eu que aterrorizo-me
e talvez pudesse sonhar em encontrar
tão perto ou tão longe
um eu que me empolgaria,
apaixonante, enlouquecedor,
um ser bom,
um ser feliz.
“Quando me olho,
tantas formas palpo
Que o tempo
suscitou
para me plasmar.
para me plasmar.
...
Vejo-me
estranho a mim,
à minha voz,
à minha voz,
ao meu silêncio,
ao meu andar e gesto”.
(Conhecimento,
in Parábola de Murilo Mendes)
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