quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A CUIDADORA




Quem cuida de quem



Dona Mirtes
(Falas imprecisas e repetitivas)



“Poeta é justamente o homem 
que cria as regras poéticas”

Como fazer versos, Maiakóvsky




Vou lavar as vasilhas
Depois, vou lavar as roupas

Mais tarde, vou te dar um banho
Lavar as suas merdas
Deixar-te cheiroso



Sou seu anjo
Sou seu demônio


Quem vive contigo?
Quem te tira a dor
e a ansiedade?

Quem fala que a vida é bela,
Quem fala que é para ser vivida?

Fique aí. Não saía daí.
Leia o teu jornal
como fazes
todas as manhãs, tome
teu café, coma o ovo.



Como fazes todas as manhãs,
ouças estas orações que jamais,
em qualquer tempo,
acreditastes ou gostastes!




Reze, agora!
Sei que não rezas.



Ouças o noticiário!
Sei que não ouves
senão só os sons, apenas sons
e algumas palavras dos filhos!



Sei do teu silêncio!
Esta tua vida vivida, doutor!
Teus olhos percorrem a casa,
sabes mais, muito mais do que eu.
Nossa diferença é pequena,
é apenas a vida mais vivida
e essa mágica indiferença.



Vou lavar os pratos!
Vou abrir a torneira
deixar a água cair em jatos fortes!


É o movimento! São os sons!
É a vida!


As descobertas não mais te surpreendem?
Surpreendem? Todas as verdades
não são tão importantes
não são tanto verdadeiras
como imaginávamos


Triste foi a vida perdida
por tantas bobagens
Tanto tempo, tanto mar!



Ela olha para ele
é como se não o olhasse
Ela é tão superior
É nova, lava pratos,
lava panos
É nova e ele é velho,
é doente, mal consegue andar.
Ela é nova,
lava pratos, panos e tristezas!






E ela é a dona Mirtes. 

Ela é uma assassina e fugitiva.

E mais uma vez fugirá.


(Do poema, não escapará)