Guido Rocha |
Trinta anos e a
história resgatada
1971-2001
Rufino Fialho
Filho
Trinta anos
depois, em fevereiro de 2001, no dia 14 de fevereiro, no gabinete da
vice-governadoria, no BDMG, ao lado de Eiras, que acessava a internet,
trabalhando a montagem da página do vice, o celular toca.
Desenrola-se a
partir daí uma conversa que até agora, quase 24 horas depois, ainda me deixa
aturdido, sem um entendimento perfeito dos fatos e da história vivida,
recuperando dados da memória e recompondo momentos, locais e personagens.
-
Meu
camarada, você sabe quem fala? É o Hélio Garcia.
A voz parecia com
a do Guinaldo Nikolaievsk. Voz idêntica.
Por que se chamar “Hélio Garcia”?
- É o Hélio
Ramirez Garcia. Hoje, este é o meu nome. Na época, em 1971, eu era o José de
Almeida Lima e você me salvou a vida.
- Talvez, você
não se lembra, mas você me disse uma frase que eu jamais esqueci e que me
salvou a vida.
- “Inventa uma
história”, foi o que você disse, “Inventa uma história... e você escapa,
inventa uma história... e você se salva, inventa uma história... engana os
caras e desaparece”.
- Eu inventei
uma história, sai da prisão e agora depois do 6o. nome, depois da
sexta identidade, depois que o reverendo Weik afirmou que José de Almeida Lima
está descartado, desaparecido, de ser mais do que um morto vivo, descartado foi a expressão dele, do
reverendo, decidi voltar e estou escrevendo, a pedido do..... um texto sobre
aquele tempo e o que aconteceu comigo.
- Eu estava
naquele IPM de 1966, que pegou o pessoal que voltou da China.
- O Marcelão (*) quase acaba comigo e ele que
gastava a fama de que com ele todo mundo abria, eu o enganei. Ele foi ele quem me
soltou... Marcelão me maltratou um pouquinho, mas eu aguentei, não sei, não
conheço e sobrevivi e fiz valer a minha identidade da época, José de Almeida
Lima.
- Quando cheguei
na cela 1, no DOPS, estava todo quebrado, mal levantava a cabeça, muito
quebrado. Ali, no chão, deitado, foi que tivemos a nossa conversa e você me
disse, “inventa uma história”.
- Isto foi em 71
e na cela 1 estavam o Jésus, Marco Aurélio, Osvaldo, Milton. Cheguei na cela 1
e disse para você, meu bom camarada, estou preso com um nome frio. Isto já não
mais aguentando, desesperado, querendo entregar os pontos e você me disse: Zé,
inventa um cara, inventa uma história.
- Minha cabeça
funcionou a mil e eu me salvei, como eles mataram todos os meus companheiros,
eu caí nesta clandestinidade que já dura 30 anos. Sou um japonês sobrevivente
da segunda guerra numa ilha deserta.
- Em 71 sai de
Belo Horizonte e de Minas para nunca mais voltar por estas bandas, para nunca
mais voltar. Isto é, alguns anos atrás tive que chegar até Minas, foi tudo
muito rápido, entrei e sai correndo.
- Fui para São Paulo e em 73, já no final do
Araguaia vim para o Espírito Santo, cheguei em Colatina em 1975 com todo uma
documentação montada em nome de Hélio Ramirez Garcia.
- Como Hélio Garcia, eu
fui bancário, estudante de economia, dono de um boteco. Tenho três filhos, um
homem e duas moças. O meu filho, hoje com 30 anos não quis estudar e é um
craque em informática, as minhas filhas estudaram, uma direito e a outra
economia.
(*) Marcelo
Paixão Araújo, o Marcelão, está na lista de torturadores. Ele fala sobre sua
atuação como torturador em entrevista à Veja, link a seguir: