sábado, 22 de junho de 2019

A INVENÇÃO SALVADORA




Resultado de imagem para a arte de guido rocha
Guido Rocha







Trinta anos e a história  resgatada

1971-2001



Rufino Fialho Filho

 


Trinta anos depois, em fevereiro de 2001, no dia 14 de fevereiro, no gabinete da vice-governadoria, no BDMG, ao lado de Eiras, que acessava a internet, trabalhando a montagem da página do vice, o celular toca.

Desenrola-se a partir daí uma conversa que até agora, quase 24 horas depois, ainda me deixa aturdido, sem um entendimento perfeito dos fatos e da história vivida, recuperando dados da memória e recompondo momentos, locais e personagens.

-         Meu camarada, você sabe quem fala? É o Hélio Garcia.

A voz parecia com a do Guinaldo Nikolaievsk. Voz idêntica.  Por que se chamar  “Hélio Garcia”?


- É o Hélio Ramirez Garcia. Hoje, este é o meu nome. Na época, em 1971, eu era o José de Almeida Lima e você me salvou a vida.

- Talvez, você não se lembra, mas você me disse uma frase que eu jamais esqueci e que me salvou a vida.

- “Inventa uma história”, foi o que você disse, “Inventa uma história... e você escapa, inventa uma história... e você se salva, inventa uma história... engana os caras e desaparece”.

- Eu inventei uma história, sai da prisão e agora depois do 6o. nome, depois da sexta identidade, depois que o reverendo Weik afirmou que José de Almeida Lima está descartado, desaparecido, de ser mais do que um morto vivo, descartado foi a expressão dele, do reverendo, decidi voltar e estou escrevendo, a pedido do..... um texto sobre aquele tempo e o que aconteceu comigo.

- Eu estava naquele IPM de 1966, que pegou o pessoal que voltou da China.

-  O Marcelão (*) quase acaba comigo e ele que gastava a fama de que com ele todo mundo abria, eu o enganei. Ele foi ele quem me soltou... Marcelão me maltratou um pouquinho, mas eu aguentei, não sei, não conheço e sobrevivi e fiz valer a minha identidade da época, José de Almeida Lima.

- Quando cheguei na cela 1, no DOPS, estava todo quebrado, mal levantava a cabeça, muito quebrado. Ali, no chão, deitado, foi que tivemos a nossa conversa e você me disse, “inventa uma história”.


- Isto foi em 71 e na cela 1 estavam o Jésus, Marco Aurélio, Osvaldo, Milton. Cheguei na cela 1 e disse para você, meu bom camarada, estou preso com um nome frio. Isto já não mais aguentando, desesperado, querendo entregar os pontos e você me disse: Zé, inventa um cara, inventa uma história.

- Minha cabeça funcionou a mil e eu me salvei, como eles mataram todos os meus companheiros, eu caí nesta clandestinidade que já dura 30 anos. Sou um japonês sobrevivente da segunda guerra numa ilha deserta.

- Em 71 sai de Belo Horizonte e de Minas para nunca mais voltar por estas bandas, para nunca mais voltar. Isto é, alguns anos atrás tive que chegar até Minas, foi tudo muito rápido, entrei e sai correndo. 

- Fui para São Paulo e em 73, já no final do Araguaia vim para o Espírito Santo, cheguei em Colatina em 1975 com todo uma documentação montada em nome de Hélio Ramirez Garcia. 

- Como Hélio Garcia, eu fui bancário, estudante de economia, dono de um boteco. Tenho três filhos, um homem e duas moças. O meu filho, hoje com 30 anos não quis estudar e é um craque em informática, as minhas filhas estudaram, uma direito e a outra economia. 




(*) Marcelo Paixão Araújo, o Marcelão, está na lista de torturadores. Ele fala sobre sua atuação como torturador em entrevista à Veja, link a seguir: