Houve uma época em que menino não entrava em
conversa de adulto. Proibido.
A seriedade no ar e etiquetas na mesa, na sala de
visitas, no clube. Na cozinha, também.
- Ela não veio porque está com gordura emprestada.
Este pedaço o menino ouviu.
“Gordura emprestada?”.
Miséria de vida, o que significaria alguém, uma
mulher, trazer consigo um tanto de gordura que tomara emprestado de uma outra
pessoa.
As mulheres, em seus afazeres, todas adultas,
conversavam.
Não havia espaço naquela conversa para que o menino
esclarecesse o significado da “gordura emprestada”.
Atenção redobrada, ouvido aberto, bem aberto, na
expectativa de uma pista.
Ela, a ela da conversa, a ela que ausentara, que
não viera hoje, esta ela era Maria Nilce.
Ponto de partida e pronto esclarecimento.
Ele tinha diante de si a imagem da Menina Maria
Nilce. Assim, a velha avó sempre a chamou, Menina Marianilce com o a quase
dobrando Mariaalnice.
O tempo esclareceria o significado da "gordura
emprestada".
Fácil, a menina da velha avó estava grávida. A
gravidez trouxera a gordura.
A gordura não era dela e nem ficaria com ela. A
gordura era de outra pessoa.
Era da criança e iria embora, seria devolvida,
depois do parto.
(Das histórias do Seu Wilson, lá do "Fim do
Mundo", em fins de março.)
06.06.2019 24.03.2022