O EXERCÍCIO DOS VERSOS
Rufino Fialho Filho
O poeta Affonso Romano de Sant’Anna diz que se debruçou por cinco anos sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Depois que o segundo poeta morreu, passou a escrever, como se fosse o segundo poeta, em jornais, assim de um jornal para o outro, acabou fixando espaço em O Globo.
Continua ainda sem saber escrever como o outro poeta
escrevia. Enfim, exercita-se. De sua meia-página de O Globo, em meio a monumentais porcarias, extraio algumas preciosidades:
Affonso Romano de Sant’Anna,
....Mario
Benedetti, poeta vencedor do Prêmio Reina Sofia 1999, promovido pela Universidade
de Salamanca, identificado com personagens e revoluções socialistas no
continente, muitos de seus poemas viraram canções.
...entre
os poetas cogitados para o prêmio... Juan
Gelman que, após uma luta solitária, finalmente identificou os militares
argentinos-uruguayos que mataram-lhe o filho e a nora, sequestrando-lhe o neto.
Monstros,
Mario Benedetti
Que vergonha
careço de
monstros interiores
Não fumo
cachimbo diante do horizonte
em todo caso
creio que meus ossos
são
importantes para mim e minha sombra
nos sábados de
noite me encho de coragem
meu nariz que vergonha não é como o de
Goethe
não posso arrepender-me de minha
melancolia
e esqueço quase sempre que
o suicídio é gratuito
que vergonha
me encantam as mulheres
sobretudo se
são consequentes e magras
e não
confundem sede com paroxismo
que vergonha meu deus
não gosto de Ionesco
no entanto
estou falto de monstros interiores
gostaria de
prometer como deus manda
e vacilar como
a gente em prosa
que vergonha
nas tardes que vergonha
nas tardes mais
escuras de inverno
gosto de
acomodar-me na janela
ver como a
chuvinha afasta meus credores
e por-me a
esperar ou talvez a esperar-te
como se a
morte fosse um alarme”.
Depois de Benedetti:
Aí, cara pálida,
eu voltei de um outro mundo.
Estive comigo, horas e horas.
Passei mal.
Vomitei.
Senti cheiros horríveis