A morte e a morte do poeta morto
Ouço falarem do poeta que morreu
Dizem que agora o poeta será lido
Dizem que é o maior de todos
O poeta morto aparece
Nariz imenso
Olhos tristes
Dizem que o poeta morto
não mais enxergava
Dizem que deprimido,
triste,
o poeta morto sofria,
sofria muito
Não mais podia ler
Não mais podia escrever
Cinco anos
na prisão de si
Uma triste sina
a sina do poeta morto
Cinco anos sem ler e sem escrever
(A terrível prisão)
O poeta sofreu cinco anos
uma longa e triste depressão
Um dia, na manhã, sentado,
ao lado da mulher,
a sua última mulher,
dizem que também poeta,
o poeta morreu
Morreu rezando
(revelou a mulher
que se diz poeta)
O poeta era ateu
O que rezava o poeta?
Ateu também reza
Reza?
Reza, certamente,
seu poema é uma oração
(Todo poema é
um poema
E é também
uma oração)
O poeta morto
reza ao lado da mulher
que só sabe rezar
Reza o nome da mulher
que ama, que somente ama
A mulher em cujo lado se senta
cuja mão segura a mão do poeta
que não mais escreve versos
que não mais passa páginas
Versos que o poeta escreve
Escreve e escreve,
limpa e dizem que
aquele poeta era
poeta matemático
porque o poeta dizia
que fazia poesia como engenheiro
Um construtor
que fazia poesia
como os pedreiros
pedra sobre pedra
Seus versos têm a
consistência da terra
tornada tijolo
pedra terra tijolo
Depois pó
Só
Nada mais.
Never more.
Nunca mais versos
Nunca mais poemas
Never more.