sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Versos como oração

 







A morte e a morte do poeta morto

 

 Rufino Fialho Filho

 

 

Ouço falarem do poeta que morreu

Dizem que agora o poeta será lido

Dizem que é o maior de todos

O poeta morto aparece

 

 

Nariz imenso

Olhos tristes

 

 

Dizem que o poeta morto

não mais enxergava

 

 

Dizem que deprimido,

triste,

o poeta morto sofria,

sofria muito

 

 

Não mais podia ler

Não mais podia escrever

 

 

Cinco anos

na prisão de si

 

 

Uma triste sina

a sina do poeta morto

 

 

Cinco anos sem ler e sem escrever

(A terrível prisão)

 

 

O poeta sofreu cinco anos

uma longa e triste depressão

 

 

Um dia, na manhã, sentado,

ao lado da mulher,

a sua última mulher,

dizem que também poeta,

o poeta morreu

 

 

Morreu rezando

(revelou a mulher

que se diz poeta)

 

 

O poeta era ateu

O que rezava o poeta?

Ateu também reza

 

 

Reza?

 

 

Reza, certamente,

seu poema é uma oração

 

 

(Todo poema é

um poema

E é também

uma oração)

 

 

O poeta morto

reza ao lado da mulher

que só sabe rezar

 

 

Reza o nome da mulher

que ama, que somente ama

 

 

A mulher em cujo lado se senta

cuja mão segura a mão do poeta

que não mais escreve versos

que não mais passa páginas

 

 

Versos que o poeta escreve

 

 

Escreve e escreve,

limpa e dizem que

aquele poeta era

poeta matemático

porque o poeta dizia

que fazia poesia como engenheiro

 

 

Um construtor

que fazia poesia

como os pedreiros

pedra sobre pedra

Seus versos têm a

consistência da terra

tornada tijolo

pedra terra tijolo

Depois pó

 

 

Nada mais.

Never more.

Nunca mais versos

Nunca mais poemas

Never more.