
Para Darci Ribeiro
No fundo, no fundo do mar em um lugar onde os raios do sol ainda chegam....
....No fundo? Fundo do mar é lá dentro, é lá dentrão, como é no fundo da bacia, no fundo da piscina...
No fundo do mar para os peixes pode ser na superfície da água. Onde a água começa para nós é onde a água termina para os peixes..
Continuando esta nossa historinha, lá onde moram os peixinhos coloridos, lá tem dia e tem noite. É lá que mora uma montoeira muito grande de peixinhos, todos eles pequenininhos.
A grota deles é longe de todos os lugares. É um lugar abandonado para onde se dirigiram, muitas águas antes, os peixinhos mais velhos que procuravam segurança e um lugar bom e gostoso, com muita fartura de comida e que nenhum outro peixe maior os ameaçasse.
Para lá, eles foram e lá ficaram.
Ali, vivia o Peixinho Vermelho.
Do pouco que diziam do peixinho vermelho era que ele era curioso. Gostava de perguntar. Queria saber de tudo. Era a idade, diziam os mais velhos. Como se velho também não fosse o melhor perguntador.
O peixinho vermelho não se contentava só com o que era respondido. E com o que os outros peixes mostravam abrindo e lendo nos livros. Ele queria saber das coisas direito e sem tantas dúvidas. Mas as dúvidas sempre ficavam e, um dia, ele foi chamado a atenção.
Havia desaparecido. Ele voltava de longe.
- Onde estiveste?
- Em outros lugares – respondia.
Os outros fecharam um bicão.
O peixinho ria. No outro dia, ele, mais uma vez, ensaiava um pulo fora água. Lá onde ele já sabia que a água acabava e encontrava o ar.
Há muito tempo, desde que ele era menor do que ainda era, que queria saber o que havia depois da água, lá em baixo, nas profundezas daquela luz muito forte. O fundo para ele era a fronteira entre a água e o ar. O fundo para o peixinho era aqui em cima na superfície da água. Que idiota!
- Do lado de lá não existe vida – diziam os peixes mais velhos.
- Como é possível existir vida fora da água? – perguntavam os peixes cientistas abrindo os livros e lendo histórias enormes e alguns relatos de antigos peixes viajantes.
- Como os outros peixes vão respirar fora da água?
- Como é possível respirar fora da água!
- Como as plantas vão viver?
- Como é possível um ser viver sem água? De onde tirar oxigênio?
O peixinho vermelho escutava tudo, tudo guardava. Ele também não tinha respostas.
Era só teimoso.
- Mas eu vou lá fora – resmungava.
Ao amanhecer, quem acordasse cedo, encontraria o peixinho fazendo exercício, ensaiando um pulo fora d’água.
Quanto tempo, ele agüentaria mergulhando no ar? Interrogava-se e fechava as guelras.
Um dia, ele pulou.
Para baixo de si, viu só um mundo feito de água. Viu, no alto, o ar pintado de azul e manchado de branco. Viu a água que crescia, saia da água, e caia com raiva. Não viu mais nada.
Ele desmaiou. Ficou boiando, quase morto, apanhando da água, levado de um lado para o outro.
Ele se salvou, tinha se preparado muito, tinha feito muitos exercícios e era um peixinho forte e bem alimentado.
Recuperado do desmaio, conseguiu forças para voltar. Voltou certo da maior vitória da sua vida de peixe. Queria gritar para todos o que viu e como era lindo do lado de fora da água.
O ar era azul.
Ninguém acreditaria. Ele iria assim mesmo contar para todos a sua experiência.
Se ninguém o ouvisse, escreveria um livro. Mais tarde o leriam e o entenderiam. Nadava veloz pelo mar, rumo à grota, por todos aqueles caminhos solitários que ele conhecia como as escamas do seu corpo.
Lá na grota, todos assustaram. Ele estava de volta. Aconteceu o que ele pensara. Todos riram. Ninguém teve paciência para ouvir as suas descrições do ar e do mar. Eram dois mundos ele dizia, o Mundo do Ar e o Mundo do Mar.
- Peixe nenhum vive fora d’água – diziam e riam dele.
O Peixinho Vermelho teve medo de ser internado como doido e foi escrever as suas experiências.
Ficou escrevendo e passeando pelos lugares seus conhecidos fora da gruta, onde encontrava um pouco de quietude.
Um ou outro peixe o escutava, principalmente os peixinhos amarelos com pintas azuis. Alguns, acreditavam e admitiam que tinham dúvidas. Outros peixes, principalmente os peixinhos azulões temiam que o Peixinho Vermelho se transformasse num criador de idéias que poderiam destruir a juventude, caso outros peixinhos se arriscassem a ultrapassar o limite, a fronteira do mar com o ar.
Um dia, dormindo à tarde, depois de ter comido bastante, foi sacudido violentamente. As águas tinham se revoltado, era como se tivesse ocorrido um terremoto, nada ficou no lugar.
Daquele dia da revolta do mar, o peixinho se lembraria sempre, com uma pontada no coração. Muitos peixinhos morreram. O mar destruiu tudo. Eles eram lançados violentamente contra as rochas.
Depois, com a passagem daquele furacão, iniciaram a reconstrução. Não havia mais comida. Tinham que enterrar (não seria, en – mar - rar? Isto é, deixar bem dentro do mar?) e, sem chorar, os peixinhos mortos. Todos trabalhavam. Todos ajudavam.
O peixinho se multiplicou por três e trabalhava, como os outros, dia e noite. A comida acabava. O peixinho vermelho avisou que sabia onde tinha comida com fartura, quilômetros de plantas. O Peixinho Padre, Preto e Vermelho, irritado, chateado, o Peixinho Vermelho não sabia de nada - pensava o bom padre.
- Estava inventando – insistia o padre, agora mais vermelho de raiva do que preto. A religião dos Peixes dizia que só havia comida naquele lugar e que dali eles não podiam sair, sob pena de sofrerem muito.
Com uns cinco companheiros, o Peixinho Vermelho saiu e voltou com comida para todos. Famintos, eles se fartaram.
Mesmo assim, eles continuaram acreditando, quase-todos, no Peixinho Padre, agora mais preto de vergonha do que vermelho.
Por causa disto, o Peixinho Vermelho e seus cinco companheiros foram presos e julgados. O julgamento foi longo e dividiu os peixes. Terminou com os peixes que saíram para buscar comida condenados.
A fome continuou, os alimentos acabaram mais uma vez.
O Peixinho Vermelho e seus companheiros presos ficaram calados. Não podiam fazer nada. Iriam morrer com seus amigos, suas famílias. Era a fome.
Um peixinho mais velho, do grupo dos amarelinhos, que acompanhava toda a história do Peixinho Vermelho, conseguiu que dessem uma oportunidade àqueles que antes trouxeram a comida, agora escassa e já no fim.
Mais uma vez, eles teriam que demonstrar que conheciam o lugar onde obter comida.
Foram libertados.
Caso não encontrassem comida, seriam expulsos para sempre da grota. Não precisavam nem voltar.
Os peixinhos voltaram cedo, antes do dia clarear, arrastavam muitas ramagens. Foi uma festa.
Neste mesmo dia, todos eles saíram, organizados, para investigar o mundo da água além da grota.
Examinaram canto por canto. Os peixinhos encarregados da proteção garantiram que todos podiam até mesmo mudar da grota para o lugar onde havia comida. Mas, cautelosos, preferiram se orientarem com segurança, sem precipitação.
Organizaram em seguida, muitos, muitos peixes, para voltarem ao lugar da comida. Cada um dos cinco companheiros do Peixinho Vermelho ensinaria o caminho para outros dez, depois os outros ensinariam para outros dez e assim todos ficariam sabendo onde ir e sem riscos.
Aquele outro lugar era um lugar tão seguro como na grota.
O tempo passou, todos passaram a morar ali e já ali moravam há Muitas Águas.
O Peixinho mais Velho estava morrendo, mandou chamar o Peixinho Vermelho.
- Eu vou embora para o lugar mais profundo do mar e eu quero me despedir de você. E dizer que eu não sei para onde eu vou.
O Peixinho Vermelho ficou um pouquinho mais vermelho de vergonha.
O que fazer? O amigo morria e estava, também, sem saber de nada. Ele não podia dizer nada e não podia ficar calado.
- O que existe lá depois da profundeza do mar, depois que o mar encontrava seu limite?
Ele também pouco sabia. Poucos foram os seus mergulhos no ar. Também nada sabia sobre o lugar para onde iam os peixinhos depois que morriam.
Olhou nos olhos do Peixinho Velho e controlou para não chorar.
- Eu sei que você também não sabe. Não se preocupe e nem precisa querer me enganar. Chamei porque eu gosto de você e sei que não me enganaria e nem iria rir de mim.
O Peixinho Velho respirou fundo e suas guelras tremiam com a respiração difícil.
- Vivi e procurei ser justo. Fiz sempre o que achei que um peixe bom faria. Estou contente. O que eu fiz é que foi importante, o resto, o que virá, eu calo.
O Peixinho Vermelho afastou-se, subiu na água para um lugar bem longe, muito escuro, onde suas lágrimas não fossem vistas e não mudassem o gosto salgado da água do mar.
E chorou a morte de um amigo, que morrera sem saber o que havia nas profundezas da água do mar e sem ter visto sequer o que ele vira lá longe no fundo do mar: muita luz e aquele imenso azul do ar.
No fundo, no fundo do mar em um lugar onde os raios do sol ainda chegam....
....No fundo? Fundo do mar é lá dentro, é lá dentrão, como é no fundo da bacia, no fundo da piscina...
No fundo do mar para os peixes pode ser na superfície da água. Onde a água começa para nós é onde a água termina para os peixes..
Continuando esta nossa historinha, lá onde moram os peixinhos coloridos, lá tem dia e tem noite. É lá que mora uma montoeira muito grande de peixinhos, todos eles pequenininhos.
A grota deles é longe de todos os lugares. É um lugar abandonado para onde se dirigiram, muitas águas antes, os peixinhos mais velhos que procuravam segurança e um lugar bom e gostoso, com muita fartura de comida e que nenhum outro peixe maior os ameaçasse.
Para lá, eles foram e lá ficaram.
Ali, vivia o Peixinho Vermelho.
Do pouco que diziam do peixinho vermelho era que ele era curioso. Gostava de perguntar. Queria saber de tudo. Era a idade, diziam os mais velhos. Como se velho também não fosse o melhor perguntador.
O peixinho vermelho não se contentava só com o que era respondido. E com o que os outros peixes mostravam abrindo e lendo nos livros. Ele queria saber das coisas direito e sem tantas dúvidas. Mas as dúvidas sempre ficavam e, um dia, ele foi chamado a atenção.
Havia desaparecido. Ele voltava de longe.
- Onde estiveste?
- Em outros lugares – respondia.
Os outros fecharam um bicão.
O peixinho ria. No outro dia, ele, mais uma vez, ensaiava um pulo fora água. Lá onde ele já sabia que a água acabava e encontrava o ar.
Há muito tempo, desde que ele era menor do que ainda era, que queria saber o que havia depois da água, lá em baixo, nas profundezas daquela luz muito forte. O fundo para ele era a fronteira entre a água e o ar. O fundo para o peixinho era aqui em cima na superfície da água. Que idiota!
- Do lado de lá não existe vida – diziam os peixes mais velhos.
- Como é possível existir vida fora da água? – perguntavam os peixes cientistas abrindo os livros e lendo histórias enormes e alguns relatos de antigos peixes viajantes.
- Como os outros peixes vão respirar fora da água?
- Como é possível respirar fora da água!
- Como as plantas vão viver?
- Como é possível um ser viver sem água? De onde tirar oxigênio?
O peixinho vermelho escutava tudo, tudo guardava. Ele também não tinha respostas.
Era só teimoso.
- Mas eu vou lá fora – resmungava.
Ao amanhecer, quem acordasse cedo, encontraria o peixinho fazendo exercício, ensaiando um pulo fora d’água.
Quanto tempo, ele agüentaria mergulhando no ar? Interrogava-se e fechava as guelras.
Um dia, ele pulou.
Para baixo de si, viu só um mundo feito de água. Viu, no alto, o ar pintado de azul e manchado de branco. Viu a água que crescia, saia da água, e caia com raiva. Não viu mais nada.
Ele desmaiou. Ficou boiando, quase morto, apanhando da água, levado de um lado para o outro.
Ele se salvou, tinha se preparado muito, tinha feito muitos exercícios e era um peixinho forte e bem alimentado.
Recuperado do desmaio, conseguiu forças para voltar. Voltou certo da maior vitória da sua vida de peixe. Queria gritar para todos o que viu e como era lindo do lado de fora da água.
O ar era azul.
Ninguém acreditaria. Ele iria assim mesmo contar para todos a sua experiência.
Se ninguém o ouvisse, escreveria um livro. Mais tarde o leriam e o entenderiam. Nadava veloz pelo mar, rumo à grota, por todos aqueles caminhos solitários que ele conhecia como as escamas do seu corpo.
Lá na grota, todos assustaram. Ele estava de volta. Aconteceu o que ele pensara. Todos riram. Ninguém teve paciência para ouvir as suas descrições do ar e do mar. Eram dois mundos ele dizia, o Mundo do Ar e o Mundo do Mar.
- Peixe nenhum vive fora d’água – diziam e riam dele.
O Peixinho Vermelho teve medo de ser internado como doido e foi escrever as suas experiências.
Ficou escrevendo e passeando pelos lugares seus conhecidos fora da gruta, onde encontrava um pouco de quietude.
Um ou outro peixe o escutava, principalmente os peixinhos amarelos com pintas azuis. Alguns, acreditavam e admitiam que tinham dúvidas. Outros peixes, principalmente os peixinhos azulões temiam que o Peixinho Vermelho se transformasse num criador de idéias que poderiam destruir a juventude, caso outros peixinhos se arriscassem a ultrapassar o limite, a fronteira do mar com o ar.
Um dia, dormindo à tarde, depois de ter comido bastante, foi sacudido violentamente. As águas tinham se revoltado, era como se tivesse ocorrido um terremoto, nada ficou no lugar.
Daquele dia da revolta do mar, o peixinho se lembraria sempre, com uma pontada no coração. Muitos peixinhos morreram. O mar destruiu tudo. Eles eram lançados violentamente contra as rochas.
Depois, com a passagem daquele furacão, iniciaram a reconstrução. Não havia mais comida. Tinham que enterrar (não seria, en – mar - rar? Isto é, deixar bem dentro do mar?) e, sem chorar, os peixinhos mortos. Todos trabalhavam. Todos ajudavam.
O peixinho se multiplicou por três e trabalhava, como os outros, dia e noite. A comida acabava. O peixinho vermelho avisou que sabia onde tinha comida com fartura, quilômetros de plantas. O Peixinho Padre, Preto e Vermelho, irritado, chateado, o Peixinho Vermelho não sabia de nada - pensava o bom padre.
- Estava inventando – insistia o padre, agora mais vermelho de raiva do que preto. A religião dos Peixes dizia que só havia comida naquele lugar e que dali eles não podiam sair, sob pena de sofrerem muito.
Com uns cinco companheiros, o Peixinho Vermelho saiu e voltou com comida para todos. Famintos, eles se fartaram.
Mesmo assim, eles continuaram acreditando, quase-todos, no Peixinho Padre, agora mais preto de vergonha do que vermelho.
Por causa disto, o Peixinho Vermelho e seus cinco companheiros foram presos e julgados. O julgamento foi longo e dividiu os peixes. Terminou com os peixes que saíram para buscar comida condenados.
A fome continuou, os alimentos acabaram mais uma vez.
O Peixinho Vermelho e seus companheiros presos ficaram calados. Não podiam fazer nada. Iriam morrer com seus amigos, suas famílias. Era a fome.
Um peixinho mais velho, do grupo dos amarelinhos, que acompanhava toda a história do Peixinho Vermelho, conseguiu que dessem uma oportunidade àqueles que antes trouxeram a comida, agora escassa e já no fim.
Mais uma vez, eles teriam que demonstrar que conheciam o lugar onde obter comida.
Foram libertados.
Caso não encontrassem comida, seriam expulsos para sempre da grota. Não precisavam nem voltar.
Os peixinhos voltaram cedo, antes do dia clarear, arrastavam muitas ramagens. Foi uma festa.
Neste mesmo dia, todos eles saíram, organizados, para investigar o mundo da água além da grota.
Examinaram canto por canto. Os peixinhos encarregados da proteção garantiram que todos podiam até mesmo mudar da grota para o lugar onde havia comida. Mas, cautelosos, preferiram se orientarem com segurança, sem precipitação.
Organizaram em seguida, muitos, muitos peixes, para voltarem ao lugar da comida. Cada um dos cinco companheiros do Peixinho Vermelho ensinaria o caminho para outros dez, depois os outros ensinariam para outros dez e assim todos ficariam sabendo onde ir e sem riscos.
Aquele outro lugar era um lugar tão seguro como na grota.
O tempo passou, todos passaram a morar ali e já ali moravam há Muitas Águas.
O Peixinho mais Velho estava morrendo, mandou chamar o Peixinho Vermelho.
- Eu vou embora para o lugar mais profundo do mar e eu quero me despedir de você. E dizer que eu não sei para onde eu vou.
O Peixinho Vermelho ficou um pouquinho mais vermelho de vergonha.
O que fazer? O amigo morria e estava, também, sem saber de nada. Ele não podia dizer nada e não podia ficar calado.
- O que existe lá depois da profundeza do mar, depois que o mar encontrava seu limite?
Ele também pouco sabia. Poucos foram os seus mergulhos no ar. Também nada sabia sobre o lugar para onde iam os peixinhos depois que morriam.
Olhou nos olhos do Peixinho Velho e controlou para não chorar.
- Eu sei que você também não sabe. Não se preocupe e nem precisa querer me enganar. Chamei porque eu gosto de você e sei que não me enganaria e nem iria rir de mim.
O Peixinho Velho respirou fundo e suas guelras tremiam com a respiração difícil.
- Vivi e procurei ser justo. Fiz sempre o que achei que um peixe bom faria. Estou contente. O que eu fiz é que foi importante, o resto, o que virá, eu calo.
O Peixinho Vermelho afastou-se, subiu na água para um lugar bem longe, muito escuro, onde suas lágrimas não fossem vistas e não mudassem o gosto salgado da água do mar.
E chorou a morte de um amigo, que morrera sem saber o que havia nas profundezas da água do mar e sem ter visto sequer o que ele vira lá longe no fundo do mar: muita luz e aquele imenso azul do ar.