
Uma história do Mucuri
Os cabelos brancos da índia velha pareciam um capacete fixo em sua cabeça. Muito cabelo como engomados e presos à cabeça, envolvem a cabeça e realçam a face da mulher determinada, obcecada, determinada na sobrevivência e obcecada pelo bem feito, pelo perfeito em seu mundo.
Era uma mulher enorme e eu estou no alto do morro, observando-a. Ela caminha lá embaixo, depois da cerca. Ela me viu e não se importa com a minha presença. Segue. Para onde? Seu andar não era lento, mas firme, num ritmo constante, enganava os olhos. Ela transmitia a idéia de que era uma pessoa que nunca parava. Não tinha uma idade definida. Dizia 50 anos, 60. Dizia 70. Como ela poderia dizer 40.
Seu envelhecer era o envelhecer daquelas mulheres do mato, que perdem os dentes muito cedo e a pele, queimada e curtida pelo sol, seca, enruga no rosto, nas mãos.
Vi a velha índia, pela primeira vez, carregando lenha, na margem da estrada, perto da cerca de arame farpado. Ela olhou-me. Depois, dentro da casa o que chama a atenção é a limpeza. Casa? Era uma casa. Uma casa digna, limpa, organizada como poucas nesta trajetória de caminhante no fundo do Brasil. Era uma caverna e não era. Não era escavada, um buraco, na montanha.
Era uma caverna vegetal, em que a parede principal era o tronco de mais de cinco metros de diâmetro de uma árvore secular, como as outras ao seu lado. No fundo, uma passagem estreita, mantida fechada por uma porta improvisada de paus e ramos, mas firme e que só ela sabia como abrir. Era toda a sua casa um corredor estreito. Seu ponto mais largo não teria um metro e meio. De comprimento teria mais de dez metros. O telhado era formado pela cobertura vegetal. No tronco da árvore caverna principal, ela fizera o armário e nas reentrâncias, limpas, ela guardava diversos alimentos secos, como vários tipos de castanhas e de raízes. Sua casa era limpa e farta.
Vivia com ela uma neta de 9 anos, uma menina bonita, esperta, que ajudava na limpeza, plantava e cuidava da água. Buscava-a em uma fonte a 10 metros. A casa ficava em um lugar de difícil acesso para pessoas e animais, os caminhos eram complicados e muitos acessos tinham interrupções bruscas, cuja saída estava em passagens por cortinas verdes ou por contorno de matas de bambu.
Um dia, quando voltávamos do riacho, ela chegava com duas bananas da terra. A velha índia achara que, naquele dia, eu não voltaria.
“Tem mais na mata, vamos buscar”.
Nosso caminho nos aproximávamos dos sítios e eu já concluíra que ela buscava muitas coisas naqueles sítios, quase sempre abandonados durante a semana. No sítio das bananeiras, na casa já estavam algumas pessoas. Ela apontou a bananeira dentro do quintal e disse que podíamos pegar a banana.
Expliquei porque não podíamos, aquelas árvores pertenciam àquelas pessoas da casa. Ela olhou-me assustada.
“Não podíamos”.
Ela entendeu que era porque tinha pessoas na casa. Assustei-me quando me vi, escondido debaixo do assoalho da casa, com uma banana da terra na mão, ouvindo a conversa de três homens, na varanda, um deles com uma menina no colo.
“Papai está na cidade, ele chega mais tarde. Agora que compramos o sítio para ele, o sítio que ele sempre quis, ele vive mais na cidade”.
Um gato apareceu na minha cara e começou a brincar comigo. Afastando-me, o gato salvou-me esclarecendo para eles a origem do barulho debaixo da casa. Afastei-me sem estar muito convicto de ter me tornado invisível pela mágica da índia.
Tomava cuidado ao me afastar da casa, por isso desviei-me da atenção de uma menina que brincava no cômodo separado da casa e que chegou a olhar em minha direção. Assim como tive o cuidado de não ser visto pela mulher que trabalhava na cozinha. Ganhei de novo o quintal e fugi.
Não entendia como consegui passar pelo cachorro sonolento sem ser notado. Notei também que os irmãos passaram a conversar sobre o movimento suspeito no quintal.
“São uns restos de índios botocudos que roubam frutas, alguns são perigosos, temos que comprar uma arma, uma espingarda cartucheira, para pai”.
No dia em que a velha índia chegou suja de sangue, apertando o peito, fiquei triste porque a mágica falhara. Fora baleada e, naquela noite, morreu, sorrindo para nós.
Ficamos, eu e a menina, que calou, parou e fixou seu olhar no vazio.
Os cabelos brancos da índia velha pareciam um capacete fixo em sua cabeça. Muito cabelo como engomados e presos à cabeça, envolvem a cabeça e realçam a face da mulher determinada, obcecada, determinada na sobrevivência e obcecada pelo bem feito, pelo perfeito em seu mundo.
Era uma mulher enorme e eu estou no alto do morro, observando-a. Ela caminha lá embaixo, depois da cerca. Ela me viu e não se importa com a minha presença. Segue. Para onde? Seu andar não era lento, mas firme, num ritmo constante, enganava os olhos. Ela transmitia a idéia de que era uma pessoa que nunca parava. Não tinha uma idade definida. Dizia 50 anos, 60. Dizia 70. Como ela poderia dizer 40.
Seu envelhecer era o envelhecer daquelas mulheres do mato, que perdem os dentes muito cedo e a pele, queimada e curtida pelo sol, seca, enruga no rosto, nas mãos.
Vi a velha índia, pela primeira vez, carregando lenha, na margem da estrada, perto da cerca de arame farpado. Ela olhou-me. Depois, dentro da casa o que chama a atenção é a limpeza. Casa? Era uma casa. Uma casa digna, limpa, organizada como poucas nesta trajetória de caminhante no fundo do Brasil. Era uma caverna e não era. Não era escavada, um buraco, na montanha.
Era uma caverna vegetal, em que a parede principal era o tronco de mais de cinco metros de diâmetro de uma árvore secular, como as outras ao seu lado. No fundo, uma passagem estreita, mantida fechada por uma porta improvisada de paus e ramos, mas firme e que só ela sabia como abrir. Era toda a sua casa um corredor estreito. Seu ponto mais largo não teria um metro e meio. De comprimento teria mais de dez metros. O telhado era formado pela cobertura vegetal. No tronco da árvore caverna principal, ela fizera o armário e nas reentrâncias, limpas, ela guardava diversos alimentos secos, como vários tipos de castanhas e de raízes. Sua casa era limpa e farta.
Vivia com ela uma neta de 9 anos, uma menina bonita, esperta, que ajudava na limpeza, plantava e cuidava da água. Buscava-a em uma fonte a 10 metros. A casa ficava em um lugar de difícil acesso para pessoas e animais, os caminhos eram complicados e muitos acessos tinham interrupções bruscas, cuja saída estava em passagens por cortinas verdes ou por contorno de matas de bambu.
Um dia, quando voltávamos do riacho, ela chegava com duas bananas da terra. A velha índia achara que, naquele dia, eu não voltaria.
“Tem mais na mata, vamos buscar”.
Nosso caminho nos aproximávamos dos sítios e eu já concluíra que ela buscava muitas coisas naqueles sítios, quase sempre abandonados durante a semana. No sítio das bananeiras, na casa já estavam algumas pessoas. Ela apontou a bananeira dentro do quintal e disse que podíamos pegar a banana.
Expliquei porque não podíamos, aquelas árvores pertenciam àquelas pessoas da casa. Ela olhou-me assustada.
“Não podíamos”.
Ela entendeu que era porque tinha pessoas na casa. Assustei-me quando me vi, escondido debaixo do assoalho da casa, com uma banana da terra na mão, ouvindo a conversa de três homens, na varanda, um deles com uma menina no colo.
“Papai está na cidade, ele chega mais tarde. Agora que compramos o sítio para ele, o sítio que ele sempre quis, ele vive mais na cidade”.
Um gato apareceu na minha cara e começou a brincar comigo. Afastando-me, o gato salvou-me esclarecendo para eles a origem do barulho debaixo da casa. Afastei-me sem estar muito convicto de ter me tornado invisível pela mágica da índia.
Tomava cuidado ao me afastar da casa, por isso desviei-me da atenção de uma menina que brincava no cômodo separado da casa e que chegou a olhar em minha direção. Assim como tive o cuidado de não ser visto pela mulher que trabalhava na cozinha. Ganhei de novo o quintal e fugi.
Não entendia como consegui passar pelo cachorro sonolento sem ser notado. Notei também que os irmãos passaram a conversar sobre o movimento suspeito no quintal.
“São uns restos de índios botocudos que roubam frutas, alguns são perigosos, temos que comprar uma arma, uma espingarda cartucheira, para pai”.
No dia em que a velha índia chegou suja de sangue, apertando o peito, fiquei triste porque a mágica falhara. Fora baleada e, naquela noite, morreu, sorrindo para nós.
Ficamos, eu e a menina, que calou, parou e fixou seu olhar no vazio.