quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A TERRA DO QUERIA SER


Seu nome era Paulo. Paulo? Poderia se o quisesse chamar-se Pedro ou Renato ou Guilherme.

Na verdade, o nome pouco importava.

Ali, naquele lugar e naquele tempo, muitos anos, mas muitos anos mesmo depois de tudo, os homens viviam podendo viver tudo, tudo o que quisessem, sendo tudo o que podiam ou queria ser. Isto mesmo. Ali poderia ser a Terra do Queria Ser.

O nome pouco importava.

Aquele lugar poderia ser a Terra do Sonho Azul ou a Terra Amarela.

Você, enfim, decidia... o seu mundo, o seu nome e até os seus sonhos e o que você quisesse...ser.

No tempo e como você quisesse.

Vou explicar melhor, vamos supor que você quisesse ser Ayrton Senna, um corredor de carro, que foi, segundo a lenda, um brasileiro vencedor...

Pera aí, tem mais essa, se quiser ser holandês, suíço, chinês, árabe também pode.

Você poderia ser, por exemplo, um piloto se carro de corrida, ser um Senna, não ser brasileiro, ser africano, e jamais correr em Ímola. Ou caso quisesse, ser Ayrton Senna até a sua primeira corrida e, depois, pular e se tornar um Schumaccher.

Tudo se pode ser naquele tempo e naquele lugar.

Tudo um dia complicou, quando um menino que, ninguém sabe como, chegara de um lugar que ninguém sabia de onde. E o menino provocou uma grande complicação para o Sistema – infelizmente, haverá de ter sempre um Sistema, algo assim como a garantia de que tudo continuará sempre para melhor e se aperfeiçoando.

O menino que se chamava, então, Diogo queria ser o Diabo. Na regra do Sistema ninguém podia ser mal. Era a Terra dos Bons, dos homens bons, dos meninos bons, das mulheres boas... uma... sei lá.

- Uma chatice – garantia Ermengarda, uma menina bela que gostava de ser bela e viver a vida das pessoas feias, na história, na vida e nos nomes.


Ela apoiava Diogo. Todos têm o direito de ser o que quisessem ou não teriam.
Como seria o Diabo? Ele quer ser um ser extremamente feio, horrível. Ele deveria assustar os outros. Deveria ser mal, muito mal. Fazer muitas maldades. Mais do que feio. Ele teria que ter um rabo, dois chifres de bode na testa.

- Você quer mesmo ser o Diabo? – perguntou o Sistema.
- Quero.
- Quer?
- Quero.

Dariam a ele o prazo normal de conhecimento sobre o que era ser Diabo, a vida que o Diabo levava, o que era o Inferno, a casa do Diabo, a convivência com os outros diabos, dia e noite vivendo com diabos. E viver só com diabos deveria também ser de uma chatice tremenda, tendo que ser mal o dia inteiro e não podendo dormir tranquilo a noite porque haveria sempre um diabo sacana para colocar pulga na cama, minhoca no copo d’água.

– Diabo bebe água mesmo no inferno. E outras sacanagenzinhas que os pequenos diabos gostam muito de fazer, até as mais inocentes, como colocar uma cobra cascavel debaixo do travesseiro.

Aquilo complicou a vida do Sistema, pois o menino que já não era mais Diogo e sim Belo Artista, um artista de “primeira grandeza”, permanecia insistente, não se recusaria a ser o que ele quis ser algum tempo atrás... enquanto isso, ele prosseguiria sendo o que lhe fosse possível ser.

Como ele gostasse muito de brinquedos, ele quis ser dono de um tanto de brinquedos e ele os teve. Quis mais, tornou-se dono de uma fábrica de brinquedos e haja brinquedos... quis mais, tornou-se um inventor de brinquedos e um dos brinquedos mais incríveis que ele criou foi uma pequena massinha, que cabia em sua mão. Não era bem uma massinha mágica, mas era quase isso. Uma massinha que, em sua mão lhe dava uma sensação daquele brinquedo que ele queria. Se ele quisesse ter um joguinho de computador, com a massa na mão, o jogo aparecia e era só aplicá-lo no computador; se ele quisesse beber leite com chocolate, era só pensar e com a massinha na mão, chegava o leite quente com o seu chocolate preferido.

Ele tumultuava o Sistema. Queria ser o Diabo. Esperaria que a máquina se ajustasse, pois havia o risco de o Diabo, endiabrado do jeito que era, complicar tudo e encerrar de uma vez por todas as vidas possíveis.

Sem saída, pois ou se era tudo o que quisesse ou não se era nada, o Sistema decidiu que aquele menino que fora Diogo, André, Poeta, Sonhador, dono de uma fábrica de brinquedos, Um Grande e Belo Artista, árabe e dono de um harém, que fora Senna, poderia ser o Diabo, mas antes eles queriam apenas que ele imaginasse o antes e o depois. A vida como era antes dele ser o Diabo e a vida como seria depois que ele já não mais fosse o Diabo.

Aí é que veio o grande desastre, a grande confusão.

Ele foi, fora e era tudo o que ele quis e queria ser, viveu muitas aventuras e muitas alegrias e ainda era um menino. Um menino? Um menino, sim, senhor.
Por que isto? Por que a dúvida?

É que esse negócio de idade há muito tempo embolara na Terra do Queria Ser. Pois tinha gente de 80 anos que só queria ser criança e tinha menino de seis anos que já vivera gente de 15, 18 e até de 20 anos.

Uma embolada sem fim. Imagine, imagine meu velho, imagine e continue imaginando... tudo pode. É a Terra do Sem Limites, a Terra do Desobedecer Sempre... da imaginação sem fim.

Ele era um menino e lá estava, anotado, na sua Certidão de Nascimento, ele tinha 5 anos e era o que contava.

Um senhor do Sistema (podia ser um outro menino) quis saber porque ele queria ser um diabo – embora ali ninguém pudesse fazer este tipo de pergunta, pois o direito era de todos e qualquer um ser o que quisesse sem dar satisfação a ninguém. Mas o nosso Diogo, Pedro, Paulo, Senna, um Artista Belo e mais e mais era, profundamente, fundamentalmente, alegre e feliz... era sempre tudo o que queria ser e ele estava disposto a conversar e a explicar. Ele sentou numa poltrona que não tinha começo e nem fim, uma poltrona imensa e que flutuava, pois ele era naquele momento um astronauta em viagem intergalática, fazia uma viagem entre as estrela de X e YY.

Pois é, por que ele queria ser o Diabo?

- Eu queria ser o Diabo para ser um diabo diferente, nada de rabo, nada de chifre, talvez a cara de bode, pois eu acho que o bode não pode pagar o pato de ser feio e ser o mal. Eu seria o Diabo bom, alegre e que abandonaria essa história de fazer mal aos outros.

O Sistema, agora sim, começou a entrar em pane e tudo começou a se desfazer na Terra do Queria Ser, o Diabo não poderia jamais ser bom.

A complicação paralisou o Sistema.

Houve uma grande parada. Tudo parou. A pane jamais seria consertada.
O que faríamos?

A única pessoa que continuava era o menino que quis um dia ser o Diabo.
O que ele deveria fazer?

Se deixasse de querer ser o que quisesse poderia jamais voltar a ser qualquer coisa.

Complicou tudo.

Era ele sozinho naquele estranho mundo e com uma decisão que deveria tomar: tudo continuaria?

Aquela Terra do Queria Ser voltaria a funcionar qualquer que fosse a sua decisão. Ele se anularia ou ele anularia tudo, pois parecia que persistir na sua vontade de querer ser o Diabo e o Diabo ser um ser de bondade a pane seria mantida.

O menino já não estava entre uma estrela e outra. Chegara à estrela YY, na Galáxia Gutemberg.

Ali, sozinho, em meio aos seus sonhos e quantos não eram os seus sonhos, ele tomaria a sua decisão.

Antes, ele queria dormir um sonho de n-anos-luzes, um sonho muito grande para descansar de sua mais longa viagem.

À terra Estrela da Incerteza