sábado, 16 de janeiro de 2010

TODOS OS ASSASSINOS


Juan Gelman, após uma luta solitária,


finalmente identificou os militares argentinos-uruguaios


que mataram-lhe o filho e a nora, sequestrando-lhe o neto.




Imagino este poeta atrás dos assassinos,
reconstituindo os últimos dias
o último dia,
a última hora de seu filho,
de sua filha, da nora e do
filho daquele casal, seu neto
seu filho também.


Imagine, você também, este homem
que monta seu mais trágico
quebra-cabeças
e que não pode desistir



Não se trata de um poema

(até a ajuda é suspeita – tudo é suspeito)

Mesmo quando caminhos multiplicam-se.



Ele é um poeta, não é investigador
e investiga mesmo assim,
compõe detalhes,
desenha faces


Faces, não rostos




Aos poucos, solitário,
ruas, becos, bares, grandes salões,
casas abandonadas,
centros de torturas
agora mansões de famílias,
onde brincam crianças.


Crianças misteriosas
Com traços de uma ternura perdida




Ele não desiste de recompor as pistas
destruídas e refeitas para não serem pistas.


É diário, ininterrupto, ponto por ponto,
numa costura sólida, nome por nome,
o poeta ergue um a um os torturadores,
examina-os, identifica-os e segue.


Quer encontrar todos, não sobrará nenhum.


Os executores, os carrascos, estão próximos,
um aqui, outro mil quilômetros depois,
ele os aproxima e eles o descobrem.


Quem é o investigador?

- É o poeta!

O que investiga um poeta?

Um poeta não mata,
não mata uma flor,
não destrói.

Não vinga

Um poeta jamais será um vingador


“Un poeta es un hombre como todos
Un albañil que construye un muro:
Un constructor de puertas y ventanas”.

(Nicanor Parra)

É o que pensa e diz Nicanor.

- Um poeta!

- É, ele é um poeta.

- Não vai dar em nada.

- É um sofredor, “finge tão perfeitamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sentes”.
(Diz Fernando Pessoa)


Um Homem acompanha todas estas investigações,
ele sabe quem são os assassinos,
que no bar, comemoram o que todos os anos comemoram,
a vitória da “nossa seleção”.


O poeta se retira levando toda a história e a relação dos assassinos
para entregar, inutilmente, ele sabe, para as autoridades do seu País.

Para a sua consciência.

O Homem fica no bar, observa as comemorações.
Com uma sub-metralhadora, elimina os cinco assassinos e as outras
quatro pessoas que estavam dentro do bar.

Caminha pela calle Maldonado, a arma
queima-lhe a pele e a casaca de couro.
Entra em seu carro, para 50 quilômetros depois,
liga o rádio para ouvir a divulgação da lista de Gelman:

“...são seis os assassinos e seqüestradores da família do poeta Juan Gelman...”

Lá estão ditos os nomes dos assassinos, de todos os assassinos.

Nna lista surge um nome ignorado, um nome não imaginado.