Poema Velho
(Recolhido do Caderno Lichtenberg,
provavelmente do final dos anos 60)
I
Antes fui um aventureiro
que abandonou a montanha
andando pouco a pouco
seus olhos pelos vales e vida.
II
Ouço passos lá fora
Ouço passos no meu coração
São passos de quem corre
Até um abraço de quem
nunca mais se esperava ver.
III
Deram-me uma máscara
Era um sorriso de felicidade
Tudo pareceu tão natural
Que o espelho convenceu-me.
Eu era alegre
Ri e despertei em outros a alegria
Mas antes que a festa acabasse
Vieram me tirar a máscara
Arrancaram-me o coração.
IV
Rasgo minhas entranhas
Procurando meu destino
Entre meus dedos escapam
minhas entranhas e minha vida.
V
Entram na escuridão
Meu sangue e meu corpo que lateja
Entram em seguida
Os braços cortados
minhas mãos separadas
uma calça cinza
Entram na escuridão
Dois olhos que ninguém
diz se são de tigre
ou de anjo.
VI
Não sou um homem livre
Antes de ser qualquer coisa
serei livre ou não serei nada.
VII
Não há ironia em meu olhar
Você enganou-se desta vez.
Há cansaço
Não há dor em meu olhar
Há uma pequenina
história de amor.
VIII
Não acompanho ninguém
Se erguem bandeiras
Desafiam-me a rebeldia
Se erguem palavras-de-ordem
Dão-me vigilância
Somente acompanho até o monte
dali volto de novo
para meu canto
de atalaia,
sempre disposto a largar tudo de novo
todas as vezes em quem for necessário
ir com alguém até o monte.