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Relato de J. Dias Prates Ele se recusou a ser taxista ou a receber qualquer remuneração pela corrida. |
Wilsão pede, na madrugada, depois
de muita bebedeira, que eu leve o escritor amigo dele, muito bêbado.
A casa do Escritor Amigo Dele
ficava a dois quarteirões.
Porra, leve vc? Wilsão tinha
autoridade.
Como ele, o Escritor Amigo do
Wilsão, morava no primeiro andar e como o elevador demorava, fomos pela escada.
A mulher Brava Agressiva abre a porta e xinga. Xinga o Marido Escritor, grita
comigo.
- Saia seu Merda.
Eu era o Seu Merda.
Ela bateu a porta. Ouvi o barulho
de louças quebrando, um corpo caindo. Ela, a Mulher Agressiva, que fechara a
porta a abriu.
- Seu Merda, ela gritou.
Sou eu o Seu merda.
Lá dentro, caído o Marido
Escritor.
Venha cá, seu Merda, me ajude a
colocar esta Bosta (ela estava se referindo ao Marido Escritor) na cama. Ele é
muito pesado. Eu não aguento este homem.
Ela quis jogá-lo na cama. Não era
a cama do casal. Era uma cama de solteiro em um quarto separado. Não deixei que
ela o jogasse. Ele deitou, me abraçou.
Obrigado, irmão (Irmão era eu e eu
não sou irmão dele). A Mulher Agressiva falava, falava. Eu também estava bêbado
e não prestava atenção no que ela falava. Falava muito, falava sem parar. Mal
ouvia o som. Ouvia mais os sons dos pneus no asfalto a uns
Saia, já! Gritou a Mulher
Agressiva. E pensar que cheguei a me ver pulando a janela. Vou abrir a porta,
disse ela. Na minha frente, ela trancou a porta.
Ela abriu a porta:
"Esqueci que tenho que pagar
o táxi" (Agora, eu virei taxista).
Ela me abraçou e uma boca grande
enorme engoliu minha boca - engoliria meu nariz se ela não tivesse mudado a
intenção e enfiado a língua na minha garganta. Filha da puta, a Mulher
Agressiva afastou-se.
Seu puto – agora era Puto e não
entendia nada.
Ela repetiu e sorriu, "Seu
Puto você já está de pau duro. Entre aqui".
No circo sem lona
O Escritor Amigo Dele não
respondeu ao bom dia, nem ao boa tarde, muito menos ao boa noite. Era agora O
Escritor Invisível para o Escritor Amigo Dele. Menos de uma semana depois, a
resposta a um boa noite não foi outro boa noite, foi uma pergunta.
- Ela pagou o táxi?
Sem levantar a cabeça, soltou a
pergunta como se fosse um boa noite. Neguei. Não, claro que não; eu não sou
taxista. Eu disse para ela que eu não era taxista. Não estava mentindo. Mesmo
bêbado, recusei receber o pagamento. O Escritor Amigo Dele saiu do buraco de
papéis em que metia sua cabeça, tirou os óculos, olhou em meus olhos e sorriu.
Outra madrugada
Uma roda agitada, a Grande Crioula, madura e gulosa, carrega seu Pequeno Grande Homem como me diria depois Josefina, a Escritora das Estrelas (quando gozava dizia que via estrelas).
A Outra Poeta, na mesa, carregava para suas histórias um Pinto Anexo, que enchia e esvaziava copos em passes de mágica. Estava cheio, estava vazio, ora cheio e pimba, uma mágica: o copo voltava vazio para a mesa. E o Pinto Anexo da Outra Poeta mudava de cor. Passes de um mágico amador. Agregou-se então a mágica ao nome e na roda do circo sem lona ele virou o livro "O Pinto Anexo & Mágico".
Frente a frente, o Escritor Amigo Dele agora era também meu amigo. Embebedava-se e elogiava os “textos deste menino esperto”. Nesta noite e tornara-se um Grande Amigo Meu.
Na despedida, Wilsão olhou para mim. O Escritor Amigo Dele olhou para mim.
- Ele vai me levar em casa.
Ei, onde você vai? Gritou Wilsão. Sinalizei o banheiro. Positivo. Eles voltaram para a mesa e pediram mais bebidas. Voltei, passei pela mesa deles e não notaram que eu ganhara a rua.
No outro dia, no Imenso Circo Sem Lona:
- Porra, cara, você deixou o meu amigo na mão e tive que arranjar um táxi.