domingo, 7 de novembro de 2010

E ASSIM SE FEZ





A devolução

Relato de J. Dias Prates
Ele se recusou a ser taxista ou a receber
qualquer remuneração pela corrida.





Wilsão pede, na madrugada, depois de muita bebedeira, que eu leve o escritor amigo dele, muito bêbado.

 

A casa do Escritor Amigo Dele ficava a dois quarteirões.

 

Porra, leve vc? Wilsão tinha autoridade.

 

Como ele, o Escritor Amigo do Wilsão, morava no primeiro andar e como o elevador demorava, fomos pela escada. A mulher Brava Agressiva abre a porta e xinga. Xinga o Marido Escritor, grita comigo.

 

- Saia seu Merda.

 

Eu era o Seu Merda.

 

Ela bateu a porta. Ouvi o barulho de louças quebrando, um corpo caindo. Ela, a Mulher Agressiva, que fechara a porta a abriu.

 

- Seu Merda, ela gritou.

 

Sou eu o Seu merda.

 

Lá dentro, caído o Marido Escritor.

 

Venha cá, seu Merda, me ajude a colocar esta Bosta (ela estava se referindo ao Marido Escritor) na cama. Ele é muito pesado. Eu não aguento este homem.

 

Ela quis jogá-lo na cama. Não era a cama do casal. Era uma cama de solteiro em um quarto separado. Não deixei que ela o jogasse. Ele deitou, me abraçou.

 

Obrigado, irmão (Irmão era eu e eu não sou irmão dele). A Mulher Agressiva falava, falava. Eu também estava bêbado e não prestava atenção no que ela falava. Falava muito, falava sem parar. Mal ouvia o som. Ouvia mais os sons dos pneus no asfalto a uns 50 metros da janela. Queria sair logo dali.

 

Saia, já! Gritou a Mulher Agressiva. E pensar que cheguei a me ver pulando a janela. Vou abrir a porta, disse ela. Na minha frente, ela trancou a porta.

 

Ela abriu a porta:

 

"Esqueci que tenho que pagar o táxi" (Agora, eu virei taxista).

 

Ela me abraçou e uma boca grande enorme engoliu minha boca - engoliria meu nariz se ela não tivesse mudado a intenção e enfiado a língua na minha garganta. Filha da puta, a Mulher Agressiva afastou-se.

 

Seu puto – agora era Puto e não entendia nada.

 

Ela repetiu e sorriu, "Seu Puto você já está de pau duro. Entre aqui".

 

 

No circo sem lona

 

O Escritor Amigo Dele não respondeu ao bom dia, nem ao boa tarde, muito menos ao boa noite. Era agora O Escritor Invisível para o Escritor Amigo Dele. Menos de uma semana depois, a resposta a um boa noite não foi outro boa noite, foi uma pergunta.

 

- Ela pagou o táxi?

 

Sem levantar a cabeça, soltou a pergunta como se fosse um boa noite. Neguei. Não, claro que não; eu não sou taxista. Eu disse para ela que eu não era taxista. Não estava mentindo. Mesmo bêbado, recusei receber o pagamento. O Escritor Amigo Dele saiu do buraco de papéis em que metia sua cabeça, tirou os óculos, olhou em meus olhos e sorriu.

 

 

Outra madrugada

 

Uma roda agitada, a Grande Crioula, madura e gulosa, carrega seu Pequeno Grande Homem como me diria depois Josefina, a Escritora das Estrelas (quando gozava dizia que via estrelas).

 

A Outra Poeta, na mesa, carregava para suas histórias um Pinto Anexo, que enchia e esvaziava copos em passes de mágica. Estava cheio, estava vazio, ora cheio e pimba, uma mágica: o copo voltava vazio para a mesa. E o Pinto Anexo da Outra Poeta mudava de cor. Passes de um mágico amador. Agregou-se então a mágica ao nome e na roda do circo sem lona ele virou o livro "O Pinto Anexo & Mágico".

 

Frente a frente, o Escritor Amigo Dele agora era também meu amigo. Embebedava-se e elogiava os “textos deste menino esperto”. Nesta noite e tornara-se um Grande Amigo Meu.

 

Na despedida, Wilsão olhou para mim. O Escritor Amigo Dele olhou para mim.

 

- Ele vai me levar em casa.

 

Ei, onde você vai? Gritou Wilsão. Sinalizei o banheiro. Positivo. Eles voltaram para a mesa e pediram mais bebidas. Voltei, passei pela mesa deles e não notaram que eu ganhara a rua.

 

No outro dia, no Imenso Circo Sem Lona:

 

- Porra, cara, você deixou o meu amigo na mão e tive que arranjar um táxi.

 







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