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A escultura de Albrecht Durer sinaliza a possibilidade da gratidão |
As mãos de Nava
“Descubram bem estas mãos:
Não se esqueçam destas mãos!
- Meus amigos! Olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
em que sexos se demoraram
seus sabidos quirodáctilos?
Foram nelas esboçados
todos os gestos malditos:
até furtos fracassados
e interrompidos assassinatos.
- Meus amigos! olhem as mãos
que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam!
elas fugiram
da suprema purificação
dos possíveis suicídios...
- Meus amigos! olhem as mãos,
as minhas e as vossas mãos!
Descubram bem minhas mãos!
O defunto, Pedro Nava,
Rio, 23.07.38
Por que as mãos?
Mãos humanas são mais humanas?
Por que nas mãos desenha-se o destino?
Por que nas mãos revela-se o afago?
A agressão.
Por que minhas mãos que agora trabalham
escrevem, rasgam seus versos
aventura-se em novos
Cala-se, escreve, fala
Preso, falava pelas mãos,
livre, entre as grades,
minhas mãos atreveram-se
a ditar regras e a poluir sonhos
Todas as aventuras são maiores aventuras
no trajeto traçado pelas mãos,
nos caminhos aventurados.
Mãos dolorosas, mãos terríveis
são as mão fictícias, traiçoeiras
do assassino,
mãos fratricidas do suicida Nava
Mãos vaticinadoras, profetizadoras,
terrificantes, dilacerantes, incontidas
Nava de mãos amputadas viveria mais
Talvez por isso o rei Leopoldo II
mandava amputar as mãos dos rebeldes (*)
As mãos são rebeldes por natureza
porque são mais livres e ferozes (**)
No defunto de Nava, as mãos ganham dos pés
que mais parecem ridículos ornamentos
“Meus amigos! tenham pena,
senão do morto, ao menos
dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
sapatos pretos de verniz,
Olhem bem estes sapatos
e olhai os vossos também”.
Assim, Nava condena-os
nos pés sapatos.
Sapatos patéticos
pés cobertos
Mãos não,
as mãos são complexos
aparelhos
os pés levam o homem por muitos caminhos
As mãos comandam
Pés não regem orquestras
Mãos sinalizam batalhas
Mãos percorrem a pele macia
da mulher amada
Mãos encaixam o mais perfeito encaixe
Mas as minhas mãos como as mãos
do capitão do navio
sabem que pouca valia terão diante do tufão,
mas valentes seguram firme no timão
sonhando que comandam
navio, vida e estrelas.
(*) Mais de 8 milhões de negros assassinados no Congo, chamado de Belga, genocídio perpetrado entre os séculos XIX e XX – era o início dos empreendedores de extermínios lucrativos
(**) Júlio César, em seus próprios relatos, afirma ter mandado amputar as mãos de 60 mil prisioneiros gauleses