Experiências com
a mentira e a verdade
Para Bié, um homem que continua menino, em sua Itaúna
Para um menino acordar no mesmo horário dos adultos daquela casa era uma novidade.
A preocupação de todos com o desaparecimento da chave de uma mesa do escritório agitou a casa desde o amanhecer.
Não havia sinal da chave que ficava dentro da gaveta ou de um jarro. Ali guardaram os bilhetes do voo para a capital.
Onde poderia estar a chave? A procurariam até que não tivesse outro recurso senão arrombar a gaveta.
No início, o pai acreditou que pudesse ter colocado a chave em outra jarra. Procurou no bolso do pijama e em todos os bolsos. Nada.
Acordado antes da sua hora, o menino Dru acompanhava o movimento da busca e a aflição dos adultos.
Dormiu de novo. De novo acordou, ainda não a encontraram.
Miliquinha, a irmã, lembrou que Dru estivera brincando na mesa do escritório. Ela demorou a falar porque temia as conseqüências.
Desta vez, ele acordou de novo e tinham mais de dez olhos em cima dele. E nenhum sorriso.
Acostumara a acordar com o olhar doce, alegre e musical da mãe. Não havia nada disso, nem mesmo nos olhos dela
.
- Onde está a chave?
- A chave da mesa.
- A chave da mesa do escritório.
- Sabe onde está a chave?
Mais um pouco e já foram direto
- Onde você colocou a chave da gaveta da mesa do escritório?
- Dá-me-as-cha-ves-da-mesa-do-es-cri-tó-rio?
Os olhos doces da mãe perderam a sua musicalidade. Era só um olhar e um olhar silencioso.
- Foi você, meu filho, quem pegou a chave?
Ela mudou o tom, mas não mudou o olhar. Ainda não havia voltado nem a música e nem o doce.
Ele conseguiu negar só com um olhar e o movimento da cabeça. Direita, esquerda, direita.
Sentiu as mãos quentes e pesadas do pai segurando-o.
- Diga onde está a chave.
A fala dura soou sozinha no quarto e em meio a todas aquelas pessoas cujos olhos eram diretos em seus dois olhinhos.
Alguém diz que terão que arrombar a gaveta.
- Eu sei...
O menino disse e não pode completar uma negativa.
Ele queria dizer que não sabia e começou a frase errando. Foi um ato falho.
(Hoje, ele ri. Naquele dia, ele tremeu de medo pois se viu sem saída).
- Então, diga, onde está a chave.
Ele olhou para uma cesta cheia de ovos e caminhou em direção à mesa da copa.
Todos concentraram-se em torno dele. O medo o impedia de dizer o que pensara dizer e que quis dizer o contrário. “Ele não sabia”.
- Onde está a chave – gritou a mãe.
Assustado, olhou os olhos da mãe e teve medo. Sem doce, sem música, um olhar silencioso e no vazio dele.
Agora, deveria dizer onde estava a chave. Ficou sem saída
Dru olhou para a cesta e disse:
- A chave está dentro do ovo.
Esta frase o acompanharia, nas histórias contadas e recontadas, até a sua morte aos 102 anos.
Esta frase o acompanharia, nas histórias contadas e recontadas, até a sua morte aos 102 anos.
O mundo desabaria se Duda, a empregada, não tivesse gritado.
- Achei a chave.