sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DRU, O MENINO



Experiências com 

a mentira e a verdade

Para Bié, um homem que continua menino, em sua Itaúna





Para um menino acordar no mesmo horário dos adultos daquela casa era uma novidade.

A preocupação de todos com o desaparecimento da chave de uma mesa do escritório agitou a casa desde o amanhecer.

Não havia sinal da chave que ficava dentro da gaveta ou de um jarro. Ali guardaram os bilhetes do voo para a capital.

Onde poderia estar a chave? A procurariam até que não tivesse outro recurso senão arrombar a gaveta.

No início, o pai acreditou que pudesse ter colocado a chave em outra jarra. Procurou no bolso do pijama e em todos os bolsos. Nada.

Acordado antes da sua hora, o menino Dru acompanhava o movimento da busca e a aflição dos adultos.

Dormiu de novo. De novo acordou, ainda não a encontraram.

Miliquinha, a irmã, lembrou que Dru estivera brincando na mesa do escritório. Ela demorou a falar porque temia as conseqüências.

Desta vez, ele acordou de novo e tinham mais de dez olhos em cima dele. E nenhum sorriso.

Acostumara a acordar com o olhar doce, alegre e musical da mãe. Não havia nada disso, nem mesmo nos olhos dela
.
- Onde está a chave?

- A chave da mesa.

- A chave da mesa do escritório.

- Sabe onde está a chave?

Mais um pouco e já foram direto

- Onde você colocou a chave da gaveta da mesa do escritório?

- Dá-me-as-cha-ves-da-mesa-do-es-cri-tó-rio?

Os olhos doces da mãe perderam a sua musicalidade. Era só um olhar e um olhar silencioso.

- Foi você, meu filho, quem pegou a chave?

Ela mudou o tom, mas não mudou o olhar. Ainda não havia voltado nem a música e nem o doce.

Ele conseguiu negar só com um olhar e o movimento da cabeça. Direita, esquerda, direita.

Sentiu as mãos quentes e pesadas do pai segurando-o.

- Diga onde está a chave.

A fala dura soou sozinha no quarto e em meio a todas aquelas pessoas cujos olhos eram diretos em seus dois olhinhos.

Alguém diz que terão que arrombar a gaveta.

- Eu sei...

O menino disse e não pode completar uma negativa.

Ele queria dizer que não sabia e começou a frase errando. Foi um ato falho.

(Hoje, ele ri. Naquele dia, ele tremeu de medo pois se viu sem saída).

- Então, diga, onde está a chave.

Ele olhou para uma cesta cheia de ovos e caminhou em direção à mesa da copa.

Todos concentraram-se em torno dele. O medo o impedia de dizer o que pensara dizer e que quis dizer o contrário. “Ele não sabia”.

- Onde está a chave – gritou a mãe.

Assustado, olhou os olhos da mãe e teve medo. Sem doce, sem música, um olhar silencioso e no vazio dele.


Agora, deveria dizer onde estava a chave. Ficou sem saída

Dru olhou para a cesta e disse:
- A chave está dentro do ovo.

Esta frase o acompanharia, nas histórias contadas e recontadas, até a sua morte aos 102 anos.



O mundo desabaria se Duda, a empregada, não tivesse gritado.

- Achei a chave.