domingo, 22 de janeiro de 2012

O ONAMISTA




OUÇA SUA MULHER


Liguei a televisão. Ela estava lá. Falava, falava. 


Realmente acertara em transformar aquela característica em ganha pão, fala, fala, fala.

Eu a observava.

Deixei apenas a imagem, cortei o som.

A câmera destaca seu rosto. É belo. Eu observo seus gestos faciais, seu olhar.

No olhar, ela também quer falar, fala, fala, fala.

A fala feminina, a voz feminina sempre me conquistou. Eu gosto de ouvir uma mulher falar e todas são muito convincentes. 


Extremamente, convictas. O movimento dos lábios correspondem às preliminares. 


Ela me excita.

Impressionante, a sua vontade e a sua vocação para em tudo argumentar e exigir o convencimento.

A dialética é feminina.

Ela fala e, muito distante, eu a observo. Desta vez, não vou ligar.

Ela somente saberá que estive aqui depois do meu desembarque na Jamaica.

Aí, o susto.

Sempre um grande onamista, ao longo da vida. Ali, olho para o rosto dela, descubro que, em inúmeras relações, nunca passei de um ser que se quer auto-suficiente. Quase. Nem sempre.

Enfiava a cara no ombro daquela mulher e estava, na realidade, apenas comigo mesmo.

Isto é, mesmo quando tinha uma mulher debaixo de mim, muitas e muitas vezes, eu apenas me encontrava nela.

Conseguia esta proeza estúpida de me conduzir até este nível. Fazer e, fazendo, ao mesmo tempo, fantasiar.

A fronteira estava ali enquanto enfiava a cabeça no travesseiro e em seus ombros. Meus olhos fechados.

Mesmo dentro da melhor e mais verdadeira das mulheres, ali, naquele momento, conseguia apenas a unidade. Não havia duplicidade. Não éramos dois nunca. Éramos sempre um.

Não era outra a realidade.

Daí o espanto ao olhar para o rosto dela na tela.

Quantas vezes, eu olhei para o seu rosto tão próximos, respirando seu hálito?

Quantas vezes, efetivamente, ela esteve comigo?

Na tela da TV, ali diante de mim, ela realiza movimentos sincronizados na face, dizia seu texto. Voltava-se para um lado e para o outro, dizia,

eu ouvi ela dizer,

mesmo a TV sem som, que ela

“era

a melhor mulher do mundo e que era, sempre foi, a melhor da minha vida...”

Assustado, aumentei o som, ela dizia que

o aeroporto seria fechado e que não havia previsão de reabertura.

A Jamaica dançou.



Márcio Araújo, Pablo