sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

NEM TODO ANO NOVO É UM ANO BOM




TODAS AS DORES DO MUNDO



Conforme relato de Asdrubal Fuentes, Dru





Cara, a Dona aprontou um senhor barraco, com direito a acionar
a polícia pelo 190,
assistente social judicial e os cambaus.

No dia 29 de dezembro, uma quinta-feira naquele ano,
a acompanhei desde cedo porque ela estava mal.

Eram dores em todo o corpo, moleza, fraqueza, cansaço,
dores localizadas na nuca etc.
Dizia ela que cansava tomando banho. Ela já não conseguia ficar
mais de uma hora debaixo do chuveiro.

“Estou cansada. Não estou bem”.

A partir das 15h, hospital.
Antes, ouvir seu especialista em glândulas.
Depois, sim, o hospital,
direto para o pronto socorro.

De 15h às 3 da manhã de sexta, fiquei ao lado dela. Da cama,
acompanhei todos os exames.

Como amigo íntimo, pela primeira vez,
acompanhei uma mulher até o vaso sanitário para
urinar – alguém tinha que carregar o soro.

Ela dava um show urinando em pé.
Era perfeita, era a perfeição.

Total humilhação para todos
nós que erramos sempre o vaso
quando saem jatos divididos.
A acompanhei quatro vezes e nas quatro (conferi)
ela não errou uma vez sequer.
Nada, nadinha, nenhuma gota fora do vaso.
Genial.
Na besteira do elogio, ela reagiu brava.

“Bobão, todas as mulheres urinam assim.
Nunca viu mulher mijar sem
sentar no vaso?”

No pronto socorro é um entra e sai de desesperados,
 sofredores,
quase todos com os seus acompanhantes.

Eu me divertia me inspirando nas pessoas que chegavam
e com o pessoal da enfermaria,
enfermeiros e enfermeiras num ritmo alucinante, casos graves e
casos estranhos (para o leigo).
Homens enfermeiros em harmonia, sintonizados
no trabalho exaustivo, disciplinado.
Heróis na solidariedade com os companheiros,
um completa o trabalho do outro.

Ali, capturei uma bela história de um senhor de mais de 80 anos
e há 4 com demência senil e da sua bela e apaixonada filha


- Ele hoje acordou cedo, tomou café sozinho,
conversou, xingou.

A filha relata a vida clínica do pai , facilita o trabalho dos
plantonistas – ela quer salvá-lo a todo custo, quer que ele viva,
“nem que seja mais um ano”.

Seu olhar doce de filha revela carinho e cuidado.
Os médicos gritam o nome de “seu Alfredo”
para identificar suas reações.
Ele não ouve os gritos dos
médicos. Pelos olhos,
olho no olho da filha, seu Alfredo ouve tudo
aquilo que ela fala com ele com
voz doce, meiga e baixa.

Às 3 da manhã, o plantonista, dr. Ricardo com uniforme escrito
"cardiologia" disse que não sabia se o que diria para nós, se era
"bom ou mau". Tinha em mãos um pacote de exames.

- Diga, doutor

E ele disse sem meias palavras, com uma papelada de exames, sangue,
urina, eletro, raio x do torax, raio x dos seios da face, exame de sangue
específico para detectar infarto etc: saúde perfeita, você não tem nada,
orgânica, fisicamente, tudo funcionando perfeitamente.

Batata, vó Beza: Este médico não presta.

O médico dizia, com cautela que não insinuaria nada,
mas que ela devia iniciar, imediatamente, um tratamento psiquiátrico.
Disse rodeando, não quis, não diria
 a especialidade (loucura).
Ela o atalhou e rasgou as fraldas,
há mil anos trato da minha loucura,
porque "minha vida tornou-se um inferno etc. e tal".

Aí datou: desde 2003 e olhou pro gajo (eu):
suspeito, condenado, executado com um olhar de vítima em
busca da solidariedade do pessoal
do pelotão de fuzilamento (só o médico).

A minha sorte foi que ele abaixou os olhos.
Não fuzilaria um inocente.
Não seria cúmplice deste justiçamento. Nem seria solidário
com o olhar de milícia daquela famigerada justiceira.

As duas palavras do doutor me perseguiriam
no resto da sexta, 30,
"bom ou mau".

Seriam bons os resultados de um organismo são e saudável?
Ou seria
"mau" ter um organismo bom e saudável?

Todas as dores agora se resumiam à dor de cabeça a partir da nuca. Para
atender ao apelo da sofredora, ele lascou mais um soro e dipirona. De volta
para a enfermaria, de volta para o soro e mais um tempo ali ao lado da cama.

Depois do soro e do dipirona, a dor de cabeça continuaria. Mesmo assim,
alta e rua. Deixamos o pronto socorro, caminhando como
se estivéssemos voltando
de uma caminhada de 10 quilômetros
para maratonistas acostumados a correr 42km
e 200 metros.

Naquela sexta, tinha dois compromissos com uma editora e com o meu
escritório. Aquela sexta daquele ano era dia 30,
véspera do dia 31, véspera do
ano novo.

Voltaria às 18h e a levaria para a casa dela, antes teria que passar no
mecânico - carro dela estava com um defeito no alarme.

Suspendi a reunião no meu escritório e voltei mais cedo: 16h

Na casa de Onofre, onde morava, o cenário era de um "assalto".
Bagagens, sacolas e malas espalhadas na sala perto da porta.
Ela estava de
saída com tudo aquilo.
Tirara tudo dela e sei mais lá o quê.
Limpou todas as gavetas e invadiu a geladeira.
Diante daquele quadro, disse que ela não precisava ter feito
aquilo que classifiquei de
saída "sorrateira".

A casa fedia a merda. Uma diarréia avassaladora
acompanhou todas as suas
ações. Aquele desequilíbrio intestinal
seria resultado da tensão e da certeza
de que fazia algo errado?

Pedi para que ela saísse dali o mais rápido possível.

Aí, ela sentou na poltrona. Emburrou.

Disse a ela que aquele comportamento
mais se aproximava de um furto -
ela catara até mesmo pequenos objetos
que me dera ao longo de um tempo.

Queria entender aquele comportamento.
Afinal, ela jamais poderia
acreditar em mim, seu amigo, que saíra numa sexta,
véspera da véspera do dia 1 de janeiro,
para duas reuniões,
sendo que a reunião da editora eu acertei tudo na frente
dela.

Como eu repetia muito a frase do médico que não sabia se a notícia de
que um paciente não tinha nenhuma doença grave,
nem infarto, nem inflamações no
torax e nem no seio da face, urina e sangue saudáveis etc.,
sempre lembrando de
vó, ela transbordava de raiva, ódio e de tudo o mais
que chega com estes dois
sentimentos - também saudáveis (?).

Resultado, ela ligou para a polícia, 190,
porque eu a acusara de furto.

Duas horas ou mais esperando a polícia.
Lógico, que a polícia não apareceu.
Eles ouviram e entenderam perfeitamente o que acontecia.

Na zorra, quando ela quis sair, eu disse

"Não, não, agora vamos esperar a polícia chegar"

Dito isto, raciocínio rápido: caso a polícia mandasse abrir todas
aquelas sacolas e mala, se aparecesse, e apareceria, objetos e bens que não
fossem dela, caracterizar-se-ia furto e para a polícia também seria o caso de
um flagrante e todas as suas conseqüências.
Eles não poderiam deixar de
prendê-la em flagrante.
Daí para a frente, seria drama sobre drama.
Apavorei.

Então, o melhor a fazer era torcer para que a polícia 

não botasse a mão em 
uma DOCE MULHER, 
inocente, boba e cagona.

Ela ligou para uma assistente social do fórum, parente dela.

Veio a mulher Assistente e pousou na poltrona duas horas ou mais.
No meio,
chuva forte para bloquear a saída.

Passada a chuva, elas foram embora com os alarmes disparando e fui
buscar minha mochila no carro

Lá fora, o meu carro fora arrombado.

"Bom ou mau"?

Quem arrombou não levou nada, nem mesmo a mochila ao lado da janela
arrombada e nem os dois livros que o editor me passara para resenhar.

Bom, bom, bom.

Fiquei sem carro sábado e domingo,
pois não podia deixá-lo dormir na rua
e no final de ano que seria ao lado da filha, ainda menina,
 fui assistir
Easy rider,
feliz por não ter tido
o destino dos personagens interpretados po
Peter Fonda, Dennis Hopper e
Jack Nicholson.



Escapei por pouco. Ela tem péssima pontaria.

Ela também não gosta da

liberdade e de um homem livre

- alvo fácil para seres insanos.

Ela errou o alvo mais uma vez