quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

UM HOMEM CONDENADO








PELA PRÓPRIA LIBERDADE 




Mudando para Neves, vinte anos antes, seu Herculano trouxe toda a família.
Trabalhara em vários locais, pronto socorro, clínicas psiquiátricas e inclusive
se arriscando com a clínica particular, em várias cidades.
Sempre na área da saúde, a paixão do bom Herculano. Diante do prédio 
da penitenciária,  O Monumental, dizia ele para a mulher, concluiu que não
precisaria mais fazer tantas mudanças, viver de um lugar para o outro,
de um emprego para outro, e os filhos teriam uma escola definitiva.

 Chegou para ser funcionário público, trabalharia no Serviço de Assistência
Penitenciária, SAP, como atendente e teria, dentro dos terrenos 
da penitenciária, uma casa e, tudo  mais, luz, água e alimentação.


Acordaria cedo todas as manhãs. Assim seria.

E anos seguidos, ele cumpriu esta rotina, apesar da televisão ter sido 
um desafio
às suas noites a partir da década de 50 . 
Gosta do trabalho e o médico responsável
assinou um documento, datado de 15/10/71, autorizando-o 
e ao Seu Machado
a prestar assistência de urgência “podendo para isso, lançar 
mão dos medicamentos
existentes na farmácia do SAP, tais como, analgésicos, antiespasmódicos,
antibióticos, broncodilatadores, antidiarréicos etc.”.

Esta clínica do Seu Herculano forneceu em junho de 73 a seguinte estatística:

Rreceitas enviadas por BH: 21;

Receitas do Dr. Lucas: 100;

Receitas do Seu Herculano: 600.

Ele diz que quer estar a patadas do lado dos presos do que de abraços do
 lado dos outros – referia-se aos administradores.

Sabe que os presos gostam dele. Seu atendimento é rápido.
Ágil na liberação de antibióticos, xaropes e analgésicos.

De sua casa à penitenciária não tem mais de 500 metros e tem vezes
que leva mais de meia hora para vencê-los.

Sua conversa é sempre tensa. As últimas palavras estouram.

É baixinho e tirou os dentes há bastante tempo, nos lábios superiores surge
uma tira fina de bigodes cultivados às pressas, bigodes pequenos 
de uma moda antiga lá pela 2a guerra, careca, todos os dias ao meio dia 
não deixa de ouvir
um programa cômico da rádio Minerva, que tem um personagem
chamado Herculano.

Ele ri dele mesmo.

O dr. Lucas chama-o de Jacaré, vez ou outra ele fala de um inimigo.
Tem 10 filhos.


Seu Herculano acredita que sua vida não é diferente.

“Sou mais prisioneiro do que você.
Todos os dias eu atravesso
a portaria e me aprisiono por 10, 12, 15 horas.

Eu mesmo me prendo.
Eu mesmo me condenei.
Eu mesmo fui meu juiz e sou meu carcereiro.”.