quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A VIGÍLIA DE HERO



RITMO DISSOLUTO


Manuel Bandeira



Egon Schiele





Tu amarás outras mulheres
E tu me esquecerás!
É tão cruel, mas é a vida. E no entretanto
Alguma coisa em ti pertence-me!
Em mim alguma coisa és tu.

O lado espiritual do nosso amor
Nos marcou para sempre.

Oh, em pensamento nos meus braços!
Que eu te afeiçoe e acaricie...
Não sei por que  te falo assim de coisas que não são

Esta noite, de súbito um aperto
De coração tão vivo e lancinante
Tive ao pensar numa separação!

Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.
Queria ver-te... estar ao pé de ti...

Cruel volúpia e profunda ternura, dilaceram-me!

É como uma corrida, em minhas veias,
De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos,
Que queriam, tomar tua cabeça amada,
Afagar tua fronte e teus cabelos,
Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

Oh, quisera não ser tão voluptuosa!
E todavia
Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!

Mas sofre... inquieta...
Ah, com que poderei contentá-la jamais?

Quisera calmá-la na música... Ouvir, muito, ouvir muito...

Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!

Possui-me como sou na ampla noite pressaga!
Sente o inefável! Guarda apenas a ventura
Do meu desejo ardendo a sós
Na treva imensa... Ah, se eu ouvisse a tua voz!






(*)Hero, Hera

Na mitologia grega não existe a figura de Hero (Herói ou Eros existem), existe a figura de Hera, a mulher de Zeus(1).

O editor, o datilógrafo e o revisor da obra de Manuel Bandeira devem ter dado um cochilo e feito a troca de Hera por Hero, quem tiver acesso à edição primeira do livro Ritmo Dissoluto pode ajudar a começar a tirar a dúvida, se Hero se Hera. Melhor ainda quem puder chegar até os manuscritos.

Por que o masculino Hero? Por causa de Eros?

Tudo indica que se trata de uma recorrência à atitude de Hera vigilante em relação a Zeus, a mulher que tem a consciência de que o amante amará outras mulheres e que a esquecerá, mas ela tornar-se-á uma mulher na vigília, recuperando o que resta.




(1) Mitologia Grega, Vozes, vol 1, página 281, Juanito de Souza Brandão

“Para escapar da vigilância atenta de Hera, Zeus não só se transformava de todas as maneiras, em cisne, em touro, em chuva de ouro, no marido da mulher amada, mas ainda disfarçava a quem desejava poupar a ira da mulher: Io o foi em vaca; Dioniso, em touro ou bode...

...Hera discutia com o marido para saber quem conseguia usufruir de maior prazer no amor, se o homem ou a mulher. 

Zeus dizia ser a mulher a favorecida, enquanto Hera achava que era o homem. 

Consultado Tirésias, que tivera a experiência dos dois sexos, este respondeu que o prazer da mulher estava na proporção de dez para um relativamente ao do homem. Furiosa com a verdade, Hera prontamente o cegou.

Protetora inconteste dos amores legítimos, é o símbolo da fidelidade conjugal.

Sua ave predileta era o pavão, cuja plumagem passava por ter os cem olhos como o vigilante Argos guardava sua rival, a “vaca” Io. 

Eram-lhe também consagrados o lírio e a romã: o primeiro, além de símbolo da pureza, o é também da fecundidade, como a romã”. 



26.01.2012