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Cicciolina |
O corpo não é uma
tela em branco
Rui Eduardo Paes
O corpo humano não é propriamente uma tela em branco, pela simples razão de que não é liso e uniforme. Há nele volumes e reentrâncias, zonas de luz e de sombra, côncavos e formas, partes. Como tal, dispõe de uma linguagem que lhe é própria, linguagem silenciosa que o erotiza.
Se os seios têm um lugar fundamental na erotização do corpo da mulher é porque se encontram em destaque…
Ora, a sexualidade não é mais do que a fala deste corpo poliforme. O órgão sexual por excelência é aquele que nos garante a unidade corporal «dada a ver», a pele. E o que é um seio senão uma superfície de pele, com enervações extremamente condensadas e numerosas, sobretudo no mamilo, que o fazem tão receptivo?
A palavra seio, note-se antes de mais, provém do Latim «sinus», que possuía o significado de curvatura, volta ou bojo, e dizia-se, no vocabulário da marinharia, em referência a uma vela de navio ou a qualquer tecido enfunado pelo vento.
A verdade é que a nossa sociedade hipervaloriza o seio. É a herança cartesiana: temos a tendência para particularizar.
Depois acontecem os empolamentos e os fetichismos, e aí temos toda a máquina publicitária que utiliza os seios femininos para vender automóveis. Até no espectáculo político os seios entraram, com o fenómeno Cicciolina.
Em grande parte, tal é possível porque os seios já têm por si um carácter distintivo, mesmo na sua função «estratégica» natural. À semelhança de outras formas arredondadas e até do tom de voz, são um sinal contra-agonístico, inibidor de agressão, distinguindo o sexo feminino do masculino.
Enquanto as mamas dos primatas só estão tumefactas no período da aleitação, na espécie humana o volume do peito da mulher é permanente, pois esta deixou de ter as oscilações de ciclo sexual que têm as fêmeas de orangotangos e chimpanzés.