segunda-feira, 19 de março de 2012

FIGURAÇA



O segundo suplente de senador jamais sentou em uma destas cadeiras




Para Josias Lins, em Castro Marim, Portugal










O senador Caveira, 

Marcelino Caveira






- O Bil, o deputado Severino Bil de Abreu, era um moleque. Em espaços públicos, entre pessoas importantes, ele gritava “Senador Caveira”. Caveira, mais moleque ainda, um homem enorme, erguia-se sobre todos. Muitas vezes, sem precisar, ficava nas pontas dos pés. Procurava de onde vinha o chamado. Procurava localizar a voz que o chamava na direção oposta de o som de fato vinha.

Ah! Tem mais.

Ele atravessava no meio do povo. Pedia licença, cumprimentava as pessoas que não conhecia – certo de que agora todos sabiam que ele era o senador Caveira.

Atravessava o imenso salão. Atendia assim ao chamado do seu cúmplice naquela brincadeira o deputado federal e secretário de Estado Severino Bil de Abreu.

O senador Caveira, grande e vitorioso empresário do Agreste, tinha sua vida marcada por incursões sempre desastradas na vida política de seu Estado. Mesmo assim, destacava-se do comum dos políticos e empresários.

Primeiro, jamais fora senador.

Brincadeira dos amigos, o máximo que conseguiu foi ser segundo suplente de senador. Aí fizera uma farra. Além do passaporte diplomático, o passaporte azul do Itamati, passara a ser identificado em todas as rodas como “O Senador”

Empresário da indústria têxtil, que herdara dos pais, ampliara seus negócios para a área automobilística e em pouco menos de duas décadas diversificara seus negócios tornando-se um dos empreiteiros mais respeitados da região.

O senador conquistara, com muita festa e muita grana, a simpatia e a confiança do mercado, transformando-se num ícone dos seus colegas.

Empresário alegre, despreocupado, apaixonara-se pela indústria da moda e pela confecção de roupas íntimas femininas. Apaixonado por mulheres, queria transformá-las em putas.

“Toda mulher merece ser puta, nem que seja por um curto tempo”.

O senador Caveira fala devagar e fala mais devagar ainda se é ouvido.

Ele olha entre displicente e interrogativo como se estivesse, permanentemente, perguntando se está sendo compreendido e como se não estivesse entendendo nada do que ouvia (suspeitando sempre, sempre suspeitando).

A suspeita fazia sentido. Aprendera e ele tem certeza de que por trás de uma afirmativa e de uma história que lhe contam existiria sempre uma outra afirmativa não dita e uma outra história não contada. A sua desconfiança chega até mesmo ao objetivo da conversa: por que aquela afirmativa, por que aquela história.

Tendo caído, acidentalmente, empresário rico, na política, quase ficara miserável, pois chegara a perder tudo. A política o apavorava pela complexidade e o seduzia pelas pessoas.

Era, entretanto, um empresário fênix. Sempre ressurgia mais rico e mais sedutor. A política, entretanto, era a razão da sua perplexidade e sabia-se admirado por aqueles “amigos” naquilo que tinha mais talento: a putaria.

Contam que ele levou um homem sério, um religioso puro, um executivo de multinacional, para a putaria. Depois os dois foram para um motel.

Ligava direto e reto, quase que de 15 em 15 minutos para o Homem Sério. Anarquizava, tinha sempre uma informação nova para o inexperiente Homem Sério, faça isto, faça aquilo, peça isto, não esqueceu da camisinha, peça aquilo, o gel, o que usar do apartamento, o que pedir na cozinha.

Sete horas da manhã, ele acorda o Homem Sério.

- Liga a televisão, liga a televisão, uma grande sacanagem, coisa da melhor qualidade, liga no canal 12, veja lá, anda logo, senão você perde, é tesão pura.

O Homem Sério liga a tv.

Era a missa dominical, celebrada pelo bispo dom Lauro.