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O segundo suplente de senador jamais sentou em uma destas cadeiras |
Para Josias Lins, em Castro Marim, Portugal
O senador Caveira,
Marcelino Caveira
- O Bil, o deputado Severino Bil de Abreu, era um moleque. Em espaços públicos, entre pessoas importantes, ele gritava “Senador Caveira”. Caveira, mais moleque ainda, um homem enorme, erguia-se sobre todos. Muitas vezes, sem precisar, ficava nas pontas dos pés. Procurava de onde vinha o chamado. Procurava localizar a voz que o chamava na direção oposta de o som de fato vinha.
Ah! Tem mais.
Ele atravessava no meio do povo. Pedia licença, cumprimentava as pessoas que não conhecia – certo de que agora todos sabiam que ele era o senador Caveira.
Atravessava o imenso salão. Atendia assim ao chamado do seu cúmplice naquela brincadeira o deputado federal e secretário de Estado Severino Bil de Abreu.
O senador Caveira, grande e vitorioso empresário do Agreste, tinha sua vida marcada por incursões sempre desastradas na vida política de seu Estado. Mesmo assim, destacava-se do comum dos políticos e empresários.
Primeiro, jamais fora senador.
Brincadeira dos amigos, o máximo que conseguiu foi ser segundo suplente de senador. Aí fizera uma farra. Além do passaporte diplomático, o passaporte azul do Itamati, passara a ser identificado em todas as rodas como “O Senador”
Empresário da indústria têxtil, que herdara dos pais, ampliara seus negócios para a área automobilística e em pouco menos de duas décadas diversificara seus negócios tornando-se um dos empreiteiros mais respeitados da região.
O senador conquistara, com muita festa e muita grana, a simpatia e a confiança do mercado, transformando-se num ícone dos seus colegas.
Empresário alegre, despreocupado, apaixonara-se pela indústria da moda e pela confecção de roupas íntimas femininas. Apaixonado por mulheres, queria transformá-las em putas.
“Toda mulher merece ser puta, nem que seja por um curto tempo”.
O senador Caveira fala devagar e fala mais devagar ainda se é ouvido.
Ele olha entre displicente e interrogativo como se estivesse, permanentemente, perguntando se está sendo compreendido e como se não estivesse entendendo nada do que ouvia (suspeitando sempre, sempre suspeitando).
A suspeita fazia sentido. Aprendera e ele tem certeza de que por trás de uma afirmativa e de uma história que lhe contam existiria sempre uma outra afirmativa não dita e uma outra história não contada. A sua desconfiança chega até mesmo ao objetivo da conversa: por que aquela afirmativa, por que aquela história.
Tendo caído, acidentalmente, empresário rico, na política, quase ficara miserável, pois chegara a perder tudo. A política o apavorava pela complexidade e o seduzia pelas pessoas.
Era, entretanto, um empresário fênix. Sempre ressurgia mais rico e mais sedutor. A política, entretanto, era a razão da sua perplexidade e sabia-se admirado por aqueles “amigos” naquilo que tinha mais talento: a putaria.
Contam que ele levou um homem sério, um religioso puro, um executivo de multinacional, para a putaria. Depois os dois foram para um motel.
Ligava direto e reto, quase que de 15 em 15 minutos para o Homem Sério. Anarquizava, tinha sempre uma informação nova para o inexperiente Homem Sério, faça isto, faça aquilo, peça isto, não esqueceu da camisinha, peça aquilo, o gel, o que usar do apartamento, o que pedir na cozinha.
Sete horas da manhã, ele acorda o Homem Sério.
- Liga a televisão, liga a televisão, uma grande sacanagem, coisa da melhor qualidade, liga no canal 12, veja lá, anda logo, senão você perde, é tesão pura.
O Homem Sério liga a tv.
Era a missa dominical, celebrada pelo bispo dom Lauro.