terça-feira, 27 de novembro de 2012

OS HOMENS QUE PENSAVAM




ERAM HOMENS QUE DITAVAM


Não eram os homens que escreviam





Tércio é o único homem identificado entre os escritores de Paulo de Tarso. Paulo ditava e assinava as cartas. Tércio tinha o domínio da arte de escrever e era um especialista, um ser alfabetizado. 

Isto porque Tércio se identificou, como o responsável por escrever as epístolas ditadas pelo apóstolo.

Todas aquelas cartas foram ditadas a um profissional que sabia escrever.

Séculos depois, encontraremos Tomás de Aquino ao ditar suas reflexões para um grupos de anotadores, profissionais do escrever – escritores de aluguel?.

Consta que eram mais de uma dezena, falam em 16 homens que escreviam, todos ao mesmo tempo, com Tomás ditando para cada um dos 16 ao mesmo tempo também. Era capaz de discorrer, pensar, sobre tantos assuntos? Consta que sim.

No tempo de São Paulo, o santo da igreja católica, a tecnologia para a produção de textos não dispensava o especialista. Com a diferença de mais de dez séculos, mais uma vez, encontraremos o homem ditando, pensando, e o homem escrevendo.

Qual foi a evolução tecnológica de Paulo a Tomás de Aquino na arte do pensar e da escrita?

Qual era o relacionamento entre estes dois seres de produção do pensamento, aquele que, essencialmente, pensa e dita, e aquele que, essencialmente, escreve?

Qual o diálogo possível entre estes dois produtores?

Qual a natureza e a colocação, a importância social, daquele que escreve para um outro – o que pensa?

A resposta é clara, claríssima. Escrever era (é) um ato mecânico (*). Pensar, não. Os que escreviam foram para a poeira. Os que ditavam permanecem. Mesmo supondo que os que ditavam fossem analfabetos, eram, pelo menos, incapazes na escrita com o material, então, disponível. Incapazes na demora para desenhar letras, que nada mais são do que símbolos. Impacientes, quando pensar não tem paciência, em que pensar é mais rápido do que escrever. Pensar não bate com lerdeza.

Cristo jamais escreveu uma linha e era tido como doutor? Sócrates, antes dele, também, jamais teve textos escritos por ele mesmo? Cristo, Sócrates e Paulo eram analfabetos?

Marco Pólo também ditou suas viagens, enquanto esteve preso.

Qual era a importância do pensar nestes momentos da construção da civilização? Qual o real valor do pensar e daquele que pensa?

Por sua vez, qual a possibilidade de adulteração do pensamento através da escrita, considerando o aproveitamento dos recursos para a guarda, no ato de escrever, da idéias, relatos e pensamentos, além da limitação de vocabulário e de recursos instrumentais, material, de conservação e de reprodução?

Supõe-se que a sociedade se organizava produzindo profissionais para a tarefa da escrita e que esta tarefa tinha um custo. Assim, tais profissionais estariam numa faixa de raridade. Sendo poucos, qual seria a valorização destes trabalhos? Que grupos valorizavam e a partir de quando passaram a valorizar a memória gravada, guardada na escrita?

Ao se debruçar sobre esta questão deve-se trazer de volta a questão do analfabeto, aquele que não conhece as palavras, que não lê palavras e que não escreve palavras. Enfim, o homem que não dispõe do instrumento escrita para se comunicar.

Hoje, para se alfabetizar (seria domesticar?) o homem gasta um tempo da sua infância, um tempo de dois a quatro anos. O que ele aprende além de ler e escrever? Ele aprende um conjunto de palavras, uma série de conceitos, alguns práticos, outros nem tanto; como também passa a dominar (?) a gramática e as regras da perfeita expressão. Gramática também vista por Espinosa como um instrumento de dominação das mentes e, por que não, também de coerção, de controle, de limitações. Ou a linguagem como a morada (ou prisão) do ser. 

Morada, segundo Heidegger. 

Prisão, para os modernos gramáticos-revolucionários.

Na sociedade de Sócrates, os homens que não sabiam ler e escrever tinham o mesmo tratamento dos homens na sociedade atual? Se lá muitos eram analfabetos, esta deficiência, se era deficiência, se sanava com os homens-que-escreviam.

Assim, os homens que pensavam, necessariamente, não precisavam se preocupar em escrever ou em ler, existiam aqueles profissionais treinados e preparados para tais tarefas.
Escrever (ler) limita o pensar?

Nisto aí não há nenhuma fundamentação histórica e ou científica, pesquisas antropológicas ou mesmo a partir do material existente. O que se propõe é considerar a hipótese do pensar e da expressão do pensamento; o pensar e o memorizar o pensado.

Há um processo, que pressupõe os recursos de lógica existentes, nos vários momentos, extremamente rico e que se, hoje praticado, como um laboratório, extrair-se-iam resultados a serem analisados para diversas praticas e aperfeiçoamentos.

Qual, por exemplo, a forma e a melhor forma de linguagem para se memorizar? (**)


Dado um tema, eliminando os recursos de preparação, como se formaria um ditado a ser escrito?

A produção do ditado. A relação entre os dois personagens, a interação e o estabelecimento de regras.

Um laboratório seria Paulo ditando para Tércio. Outro seria Tomás de Aquino ditando para oito ou 16 escribas, amanuense, escritores de cartas e de literatura filosófica etc.

Quanto tempo levou Tércio para escrever para Paulo a Epístola aos Romanos? 

Qual era o seu ambiente de trabalho? De que material ele dispunha?

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O padre estudioso, doutor em Aurélio Agostinho, diante da profusão de obras do bispo Agostinho,de Hipona, interroga-se se com apenas seis escribas auxiliares teria produzido tanto ou se, depois tornado santo, armou-se em torno do seu nome algo como uma autoridade. A autoridade, Santo Agostinho, seria a partir do século IV um espaço, algo como uma das primeiras idéias de editoras e que depois se chegou aos folhetins e ao rocambole francês, um romance inacabável (afinal, um dia, acabou) e que teve, por décadas, vários autores. E Santo Agostinho o ser da unidade de vários autores

(*) No “O Dossiê H”, Ismail Kadaré interroga-se sobre Homero, um ou muitos. Seus personagens percorrem a região em busca de novos Homeros, depara com a capacidade da memória dos poetas e do papel da cegueira e dos ritmos. Homero era cego – uma deficiência ou um recurso para a ampliação da memória? O filme “Quem quer ser um milionário”, de Danny Boyle, mostra cenas de meninos cegados para se tornarem cantores mendigos – e terem memória e ritmo.


(**) A psicografia e assemelhados (Stefan Zweig sobre  Nietzsche)



Ser analfabeto era ser sábio



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