Meu castelo
medieval
é uma cidade vazia
Minha cidade abandonada:
tudo porque
a estrada mudou de lugar
foi para longe e levou consigo os moradores
que faziam desta cidade uma cidade suja,
deixaram-na suja,
calada
e parada
e pacata.
Só eu a preenchê-la de vida, da minha vida
ao lado de seres pequenos.
Meus passos eu escuto,
meus rastros
não se confundem
com todos os outros rastros
senão com os meus próprios rastros.
Apenas a poeira,
Apenas a poeira,
o vento
e o outono
(que se aconchegam em seus lábios)
apagam as marcas do caminhar.
De uma casa levaram portas,
de outra panelas e telhas,
lençóis sujos
secando em suas mãos limpas.
O varredor esqueceu sua vassoura.
Todo ano, indiferente ao inexistir
da cidade,
indiferente à inexistência de mãos,
de bocas devoradoras de seus frutos,
os frutos do cajueiro são oferecidos ao vento
que os balança. O fruto é independente
do mastigar. Num jardim ficou a roseira.
Hoje, temos rosas.
O bar ficou sem balcão,
perdeu suas cadeiras, um bar sem alegria,
sem papel colado na parede.
Sem garrafas quebradas
Sem garrafas quebradas
e sem copos vazios
As casas enfileiradas
As casas enfileiradas
procuram se aproximarem
é o tempo, é o tempo
É o tempo, Miguel.
É a queda.
Aquela casa precisa de tinta.
Aquela casa precisa de tinta.
Seu amarelo perdeu a cor, sua cor também mudou-se
Amarelejou, diz o poeta Luís Muller
Ou foi o tempo que pintou o amarelo de outra cor?
E azulejou?
O vento me surpreende
te surpreende
Vira a esquina, dança na praça e ri no bar.
Ele também se assusta comigo,
quando surjo parado, estacado em sua
frente, sem medo, sem expressão.
(Eu, cara. Não, o vento, Pereba!)
(Eu, cara. Não, o vento, Pereba!)
Assustado ele, o vento que venta, pára.
A poeira estaca, para
Volta para o chão e se amolda
acomoda às coisas vazias.
A poeira não quis seguir
os cidadãos da cidade restada na encosta.
A cidade continua...
No chão de bola de gude, volto a jogar
No chão de bola de gude, volto a jogar
e a perder a razão de ser alegre.
A cidade tudo abandonou
A cidade tudo abandonou
O céu abriu mais espaços
Ah!
Cidade de barro insistes em permanecer
Ah!
Cidade de barro insistes em permanecer
túmulo,
grande quarto
Decerto quarto fechado.
Quando anoitece e as horas envelhecem,
Quando anoitece e as horas envelhecem,
sou, devo ser, tenho que ser
apesar de que tiraram
da cidade as velhas arcas,
apesar de terem largado
na cidade sacos e sacos de cimento.
Não devo ser paciente,
Não devo ser paciente,
calmo e paciente,
não tornar-me objeto,
devo é perder a calma,
povoar esta cidade, tudo
E tudo precipitar.