sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A CIDADE E O VENTO



          

Meu castelo medieval 


é uma cidade vazia









Minha cidade abandonada: 

tudo porque

a estrada mudou de lugar

foi para longe e levou consigo os moradores

que faziam desta cidade uma cidade suja,

deixaram-na suja, 

calada

e parada 

e pacata.

Só eu a preenchê-la de vida, da minha vida

ao lado de seres pequenos.




Meus passos eu escuto, 

meus rastros

não se confundem 

com todos os outros rastros


senão com os meus próprios rastros.




Apenas a poeira, 

o vento 

e o outono

(que se aconchegam em seus lábios)

apagam as marcas do caminhar.



De uma casa levaram portas,

de outra panelas e telhas,

lençóis sujos

secando em suas mãos limpas.




O varredor esqueceu sua vassoura.


Todo ano, indiferente ao inexistir

da cidade, 

indiferente à inexistência de mãos,


de bocas devoradoras de seus frutos,

os frutos do cajueiro são oferecidos ao vento

que os balança. O fruto é independente

do mastigar. Num jardim ficou a roseira.


Hoje, temos rosas. 

O bar ficou sem balcão,

perdeu suas cadeiras, um bar sem alegria,

sem papel colado na parede.

Sem garrafas quebradas 

e sem copos vazios




As casas enfileiradas

procuram se aproximarem

é o tempo, é o tempo

É o tempo, Miguel.

É a queda.



Aquela casa precisa de tinta.

Seu amarelo perdeu a cor, sua cor também mudou-se


Amarelejou, diz o poeta Luís Muller


Ou foi o tempo que pintou o amarelo de outra cor?


azulejou?




O vento me surpreende

te surpreende

Vira a esquina, dança na praça e ri no bar.

Ele também se assusta comigo, 

quando surjo parado, estacado em sua

frente, sem medo, sem expressão.

(Eu, cara. Não, o vento, Pereba!)



Assustado ele, o vento que venta, pára.

A poeira estaca, para

Volta para o chão e se amolda

acomoda às coisas vazias.

A poeira não quis seguir 

os cidadãos da cidade restada na encosta.

A cidade continua...




No chão de bola de gude, volto a jogar

e a perder a razão de ser alegre.




A cidade tudo abandonou

O céu abriu mais espaços


Ah!


Cidade de barro insistes em permanecer

túmulo, 

grande quarto 

Decerto quarto fechado.

Quando anoitece e as horas envelhecem, 

sou, devo ser, tenho que ser

apesar de que tiraram 

da cidade as velhas arcas,

apesar de terem largado 

na cidade sacos e sacos de cimento.


Não devo ser paciente, 

calmo e paciente,

não tornar-me objeto,

devo é perder a calma,

povoar esta cidade, tudo



E tudo precipitar.