sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A VENDA DOS LIVROS DELA






Homem 

sem Beatriz




 “Como poderia ser feliz o homem 

que faz depender  a sua felicidade 

de algo que não depende dele?” 


Huberto Rohden,  in  “O poder da felicidade”,






Ela

O Livreiro abria a porta da minha loja e aquele homem estava ao lado dele. 

Ouvi “esta porta é pesada”. 

Não prestei muita atenção nele. Naquele dia eu estava de óculos escuros e cansada.




O Livreiro

- Quer saber a história daquele homem?

Ela não se lembrava.  Disse O Livreiro: “Ele trouxe uns livros que foram da mulher dele para vender.”

Ela lembrou. O homem na porta da loja – “esta porta é pesada” – carregava um embrulho. Ela lembrou.

Hoje, ficamos sabendo o nome da mulher. Beatriz. É o nome que está escrito na primeira página. Um nome: Betariz. Uma data: Neste livro, 2003. Um livro lido, grifado e estudado.

Beatriz morreu há quatro meses. Ela pediu que O homem fosse ao mercado e quando ele voltou a encontrou morta, já fria, no sofá. Suicidara.


O homem

Conheci Beatriz há 22 anos. Quando casamos, ela tinha 40 anos e eu 35. Fomos muito felizes, viajamos muito não indo, nem sempre muito longe. Escolhíamos lugares diferentes, aconchegantes. Ela tinha decidido que não viveria os seus 60 anos, “uma idade muito ruim, muito triste e com todos os males chegando”.

- Quando ela fez 60 anos?

- Um mês antes.


Ela


O Livreiro percebeu que, mais do que vender os livros, o homem procurava alguém com quem conversar. Precisava falar.


Z


Temos que localizar este homem. Vamos ajudá-lo a entrar em outra história. Ainda não fez 60 anos e não repetirá a mulher. Aos 55 anos, ainda é um homem distante dos 60.


Ela


Hoje, cheguei cedo antes do O Livreiro, o livreiro vizinho. O homem estava na minha porta e carregava um volume de livros. Se ofereceu para ajudar a abrir a porta.

- Esta porta é muito pesada.

Convidei para entrar na loja, acendi as luzes e, mais apressada do que o normal, queria ouvi-lo antes do O Livreiro chegar.


O homem

Esta era a Beatriz. (Mostra a foto de uma mulher loura, bonita e, aparentemente, alegre.) Sim, sim, ela era muito alegre, muito feliz. Nós decidimos que não teríamos filhos, eu já tinha uma filha do primeiro casamento. Decidimos que iríamos ser felizes e viveríamos nós dois, nossos sonhos, nossos caminhos. Leitora voraz, como psicóloga, em seu consultório, ela ouvia muito mais e lia a vida de todas aquelas pessoas.

Ela

Ele falava. Não o interrompi. Não perguntei nada para permiti que ele dissesse o que queria e precisava falar.


O homem

Beatriz estava morta no sofá. Nada de diferente. Estava adormecida. Estava morta.  Em um bilhete ela alertava de que ele não devia cheirar, inalar, aquele veneno. Era fatal. Em outro trecho, pedia para que sua morte fosse comunicada por uma prima dela e não por ele, o homem.  Quis ser enterrada vestida com uma minha camisa. Tinha detalhes, era muito vaidosa.


Ela

Ele parecia ser um homem magoado, machucado. Não sei se é isso, sentia que ele se sentia traído pela decisão dela se matar. Havia, em si,  respeito pela mulher e pela vontade dela. Não via em seu rosto ainda nenhuma tristeza – parecia ainda em estado de choque.



O Livreiro chegou. Logo depois, o homem voltou e me deu um livro que não conseguira vender. Era “O poder da felicidade”, um livro-clipping