quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ONDE FICA O PARAÍSO?




Uma lição suave




No padrão cinema-padrão, a hierarquia é ator principal, seguido do ator coadjuvante. Serão sempre celebridades na arte para justificar investimentos e retorno.

Pois bem, imagine um outro cinema em que o ator principal é um sapato velho, gasto e remendado e em que o ator coadjuvante é um par de tênis velho, compartilhado por duas crianças, 9, 8 anos.

Em que o ator principal é encostado e o tênis assume todas as peripécias de um Ulyses, em sua grande aventura de servir, calçar, dois senhores e a um atleta.

Imagine um corredor que disputa o terceiro lugar, que não aceita a frustração de um primeiro lugar.

Imagine um país rico e pobre, de ruas e casas rasgadas por esgotos a céu aberto e de mansões sofisticadas e de edificações modernas e suntuosas.

A diferença ou a divisão entre os homens está no paraíso, um lugar inacessível àquelas pessoas que não viveram a fraternidade.

O paraíso é o lugar dos fraternos, dos inocentes e dos vitoriosos.





Filhos do paraíso é dirigido por  Majid Majidi Irã
                  

Ali (Amir Farrokh Hashemian) é um menino de 9 anos proveniente de uma família humilde e que vive com seus pais e sua irmã, Zahra (Bahare Seddiqi).

Ele perde o único par de sapatos da irmã. Evita a bronca dos pais e divide seu próprio par de sapatos com ela, revezando-o.







Dois registros

Filhos do Paraíso: cinema e educação

Sempre que colegas educadores me pedem o nome de um filme, indico Filhos do Paraíso, belíssimo vídeo iraniano do diretor Majid Majidi, que em 1999, juntamente com Central do Brasil, de Walter Salles Jr. e A vida é bela, de Roberto Benigni, disputaram o Oscar de melhor filme estrangeiro, sendo vencedor o filme italiano, da distribuidora norte-americana Miramax. Nada contra o filme de Benigni, que é uma delirante fantasia. Contudo, apesar de ser também escritor de ficção, creio que coisa mais fantástica que a realidade não há.

O filme iraniano é inspirado num fato real: dois irmãos (menino e menina) têm que dividir o mesmo par de tênis velho para irem à escola, visto que o menino, logo no início da película, perde o surrado par de sapatos da irmã, este recém vindo do conserto. Ou melhor, deixa num canto, enquanto compra legumes pro almoço,e um catador de lixo, vendo o péssimo estado dos mesmos, crê que tinha sido largado na rua, como lixo. Pode-se, com esta cena inicial, trabalhar questões como preconceito, discriminação, sociedade.

A partir daí, para fugir do castigo do pai, as crianças passam a dividir o par de tênis surrado do menino com a irmã menor, que estuda pela manhã, enquanto ele a aguarda chegar em casa, para calçar o mesmo par e ir correndo para a escola, no turno da tarde. O diretor da escola, vendo apenas a "ponta do iceberg" começa a ameaçar o menino de expulsão se continuar com os seguidos atrasos, mas é um professor de educação física que vê no aluno um talento natural para o esporte. Ver o todo, conhecer o universo do aluno, às vezes com uma conversa, facilita a estratégia de interação e o processo de ensino-aprendizagem. Avaliar ás pressas, corre-se o risco de apressar a evasão do aluno.

Em função da observação do professor, por conta do corre-corre e troca-troca, o jovem acaba se destacando por sua velocidade e é inscrito numa corrida, onde o 3º lugar é justo um par de tênis novos - para os dois irmãos, muito melhor que os primeiros lugares: viagem à colônia de férias, que eles jamais tinham ido também. Cruel dilema, que não conto o final, evidentemente, para que todos vejam o filme. História tocante, simples e bem contada, mostrando outra faceta do povo iraniano, que comumente têm sua imagem associada pela mídia ao suposto fanatismo religioso, terrorismo e a opressão.

Também do mesmo diretor, recomendo o filme A cor do paraíso, já destacado pelo Educa Tube, que pode ser utilizado na educação e na educação especial.

Os interessados podem baixar o filme, via blog Baixar Filmes Completos, onde constam outros filmes que podem ser utilizados por educadores com seus educandos e a comunidade escolar



Filhos do Paraíso (Children Of Heaven),
de Majid Majidi (Irã, 1998)


O cinema iraniano já não precisa estar dando provas de sua relevância, pois é um cinema que já mostrou sua regularidade de produção (aqui no Brasil mais na Mostra de São Paulo que no resto do país) e a sua quantidade de autores. Há diretores profundos com Kiarostami, irrequietos como Mohsen Makhmalbaf, com uma história de belos filmes como Dariush Mehrjui, além de uma nova geração que permite a um Farhad Mehranfar ousar um lirismo sem fronteiras em seus dois filmes Aviões de Papel e A Árvore da Vida

No entanto, uma vertente deste cinema, talvez a primeira a ser revelada, ainda não dizia a que vinha, na minha modesta opinião. O pseudo-neo-realismo consagrado no Balão Branco de Jafar Panahi, mas repetido ad eternum (como em A Bota e A Chave, só exibidos na Mostra) trazia elementos de interesse mas sem resolver cinematograficamente ou tematicamente todas as expectativas criadas. Pois é Filhos do Paraíso que consegue este feito.

O início parece ser retirado do "Grande Manual Iraniano de Começar uma História": Menino perde um par de sapatos e daí começa uma busca que o levará a confrontar-se com sua família e o seu país. Mas Majid Majidi consegue elevar o filme do viés comum ao mesclar alguns expedientes do cinema americano clássico com o seu neo-realismo, e aumentando o alcance do seu painel de temas. Este aliás é o terceiro longa de Majidi, todos desta década, comprovando a frequência dos cineastas de lá, que não chega até nós no circuitão, mas que Leon Cakoff tem mostrado com insistência e paixão.

Partindo do seu fiapo de trama quase clichê dentro do cinema iraniano, o que o diretor consegue é dar um tratamento cinematográfico mais sofisticado ao que antes era só um arremedo sem profundidade de neo-realismo. Há os que digam que os cineastas iranianos usam as crianças e as tramas ingênuas e pouco posicionadas pela falta de liberdade para ir mais fundo e direto em críticas sociais. Quem já viu a obra de Makhmalbaf, Kiarostami e Mehrjui sabe que isso é mentira pois eles mergulham fundo e sutilmente, mas sem ingenuidade na crítica ao regime. Da mesma forma, Majidi consegue com este filme um mergulho no qual o enfoque quase documental das mazelas iranianas sai do simples mostrar e toma posições. 






Pela primeira vez, por exemplo, vemos a Teerã rica, as classes ricas. E ao mostrá-las fica ainda mais pungente a crítica social pois cria a noção das duas realidades no Irã. Este efeito supera muito em complexidade o simples retrato da miséria. Majidi mostra as relações inumanas entre classes com um recurso tão simples quanto genial: o interfone. 

Os ricos não se vêem face a face com os pobres, mas os dispensam de longe. Porém um verdadeiro humanista vê sempre uma saída, e a de Majidi está nas crianças, que forçam o contato entre classes. Além desta crítica social, ao mostrar as relações de autoridade na escola e na mesquita, ao mostrar a influência da propaganda danosa via TV no imaginário infantil criando uma divisão inter-classes por valores como um sapato mais limpo, resumindo ao mostrar um painel mais abrangente, Majidi faz um retrato mais completo do que é a vida no Irã. Por exemplo, quando o pai diz ao menino "Você já não é mais criança, tem nove anos!", o diretor passa toda a situação das crianças pobres prematuramente adultas (igual no Irã ou no Brasil).


Esteticamente seu filme também é mais rico. A montagem das cenas em que os meninos correm pelas ruas para não se atrasar para a escola, por exemplo, é genial pois cria um efeito de angústia e drama muito mais profundo. As cenas no bairro rico também são muito bem filmadas. Mas, destaco duas sequências: a final, com os pés machucados do menino triste mergulhados na pequena fonte, contratado com a (desconhecida para ele) solução que virá através do pai, e a melhor do filme, a comunicação dos irmãos através dos cadernos para fugir do controle da autoridade paterna, um primor de edição de som, montagem, e humanidade. Estética e conteúdo, uma junção poderosa, sempre. Compreender isso é o que faz de "Filhos do Paraíso" um filme especial.


Com uma ressalva: em dois fatores o diretor se equivoca um pouco na apreensão "hollywoodiana" da história. O excesso de choro dos personagens que tira a força dos momentos mais dramáticos; e a enganada cena da corrida encenada como uma verdadeira Carruagens de Fogo, cheia de câmeras lentas e redenções, clichês e tempos mortos. Mas, nada que retire a força do painel geral que ele pinta.
Eduardo Valente