Onde
eu vivo
Uma canção antiga
Abelardo Juca de Mato
I
Não
sei onde eu vivo
Não
sei se é realidade
A
realidade e este país
Onde
eu apareci
Ao
despencar
de
paraquedas
II
Puta
bagunça!
Vivo
num lugar
Aqui,
vive-se de empréstimos
Dívidas
seculares
Dívidas
que nunca acabam
Liberdade
é vencer
A puta
dívida
igual
à cabresto
igual
à viseira
igual
à bitola
Dívida
que nos tira
Tudo
o que fazemos
Arranca
o chão dos nosso pés
Onde
eu vivo?
não
sei
Sei que é incompleta a resposta
Isso
posso saber
Aí,
a insensatez
a
angústia de que quem produz
a
dor, as desproporções desumanas
Uma
putaria grossa
lugar
complicado de consumo de gentes
Caem
fronteiras!
Muito
de constrói
Gentes
nas pontes
Que
troço bom
a
certeza de que no íntimo
o
homem sabe escolher
a
gente não pode esquecer
as
nossa responsabilidades
III
Nos
jardins públicos, as crianças brincam
Que
todas as crianças brinquem
nos jardins públicos
Vocês
se conhecem.
Sabem
o que eu querem?
Todos
queremos, que se dê às crianças
o
direito de brincarem nos jardins públicos
IV
Passam
os anos e os dias e as noites
e
as manhãs e os crepúsculos
Em
cada dia uma nova e bela manhã
(Quanta
bobagem)
Não
há escuridão suficiente
que modifique um homem
V
Nossas
identidades
Quem
somos?
O
que queremos?
Não
sei, é difícil dizer
(de
dentro de todos estes cárceres)
Talvez
sejamos um povo
que
quer a liberdade
imediatamente
VI
imediatamente
para
sempre
abandonar
o sonho e a cama
tudo
desarrumados
esquecer
de manhã cedo o ser,
vestir
a calça e o nome
sair
na calçada, para a rua
atravessar
pessoas, iguais a si,
vazias,
cidades vazias lotadas de gentes
e
sujas
parar
onde se começa a gastar-se,
não
fazer longas frases
Cartas
sintéticas,
Sorrir
para o logo depois de você
Rir
contar a última piada
Acabar
aí o dia,
voltar
nos rastros visíveis
para
o mesmo lugar, o mesmo tempo
feito
para gastar o que já não se tem
assim
para sempre até quando estiver o camisa puída.
1971, no cárcere, pela liberdade