O silêncio
Depois da segunda operação e de ficar com uma abertura no
intestino, colostomizado (*), Ariel não fala mais.
A voz não sai.
Explicação: teria sido devido ao entubamento de oxigênio durante a
operação e que afetara as cordas vocais.
Mesmo assim, não consigo entender seu silêncio. Paro na sua
frente, olho o seu corpo magro, pele e osso, braços finos, ombros à mostra,
rosto seco, Ariel se cala para tudo.
Ele optou por calar.
Falar para ele tornou-se cansativo, sem sentido, impossível ou
desnecessário.
Agora seus diálogos estão nos olhos - se quisermos ouvi-lo devemos
olhar.
Alguns dias depois, Ariel levanta e fala normalmente. Recuperara a
voz.
Naquele dia, tornou-se crítico e ácido com Mirtes, “aqui, eu
mando”, percorrendo um caminho em que seu rosto revelava seu inconformismo.
Ele não sustentou durante muito tempo a sua voz normal e não durou
nada a sua vontade de manifestar-se.
Calou mais uma vez.
Já era uma voz cansada, já era um raciocínio quebrado por
esquecimento, mais esquecia do que lembrava, já era uma voz diante de uma
porção de vozes de jovens e de pessoas maduras, que se expressavam, com
talento, sem esquecimentos e com vida.
Ele calou-se e ele, se ouvia, pouco ouvia.
Definitivamente.
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(*) A colostomização consiste na exteriorização do intestino
grosso, mais comummente do cólon transverso ou sigmóide, através da parede
abdominal, para eliminação de gases ou fezes.