quinta-feira, 14 de novembro de 2013

QUANDO OS OLHOS FALAM





O silêncio


Depois da segunda operação e de ficar com uma abertura no intestino, colostomizado (*), Ariel não fala mais.

A voz não sai.

Explicação: teria sido devido ao entubamento de oxigênio durante a operação e que afetara as cordas vocais.

Mesmo assim, não consigo entender seu silêncio. Paro na sua frente, olho o seu corpo magro, pele e osso, braços finos, ombros à mostra, rosto seco, Ariel se cala para tudo.

Ele optou por calar.

Falar para ele tornou-se cansativo, sem sentido, impossível ou desnecessário.

Agora seus diálogos estão nos olhos - se quisermos ouvi-lo devemos olhar.

Alguns dias depois, Ariel levanta e fala normalmente. Recuperara a voz.
Naquele dia, tornou-se crítico e ácido com Mirtes, “aqui, eu mando”, percorrendo um caminho em que seu rosto revelava seu inconformismo.

Ele não sustentou durante muito tempo a sua voz normal e não durou nada a sua vontade de manifestar-se.

Calou mais uma  vez.

Já era uma voz cansada, já era um raciocínio quebrado por esquecimento, mais esquecia do que lembrava, já era uma voz diante de uma porção de vozes de jovens e de pessoas maduras, que se expressavam, com talento, sem esquecimentos e com vida.

Ele calou-se e ele, se ouvia, pouco ouvia.

Definitivamente.  


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(*) A colostomização  consiste na exteriorização do intestino grosso, mais comummente do cólon transverso ou sigmóide, através da parede abdominal, para eliminação de gases ou fezes.