A arte de amar
Manoel Bandeira
Se
queres sentir a felicidade de amar,
esquece
a tua alma,
a
alma é que estraga o amor.
Só
em Deus ela pode encontrar satisfação,
Não
noutra alma.
Só
em Deus - ou fora do mundo.
As
almas são incomunicáveis.
Deixa
o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque
os corpos se entendem, mas as almas
não.
Manoel Bandeira, Poesia Completa e
Prosa,
Belo Belo, página 288,
Editora Nova Aguilar SA, 1977, RJ
A gramática
dos corpos
Um léxico para o beijo e o prazer
Deixa o teu
corpo entender-se com outro corpo.
(Os corpos se
entendem, diz o poeta - eu acredito em
poetas)
Pedro
Elisiário
Existe uma
linguagem dos corpos? Qual é?
Qual é a sua
gramática. Qual é o seu léxico, a sua lógica?
Quais são as
palavras e as regras desta linguagem?
Onde aplicar a
vírgula?
O que é a vírgula?
O pronome?
Não pronuncie. Não
fale. Gemer, pode? Pode.
Toque.
Olhe.
Sinta.
Ela é suave, é
forte, cheira.
É a fala calada de
odores. Não resista.
Ah! Ou faça da
resistência fonte de maior expectativa.
Depois, ceda.
Não faça da vida,
tempo.
Esqueça lá fora. La
fora é lá fora.
Neste léxico não há
composição com o tempo.
A não ser que
chova.
Corra os olhos,
deite com os olhos
sobre o chão,
a cama e o corpo.
Apalpe-o com os
olhos, com as mãos,
com a língua.
A língua seria a
vírgula e não teria sexo,
isto é, não teria
gênero,
a língua é
masculina,
a língua é
feminina.
Neste léxico, a
língua é comum de dois gêneros.
Está em meu corpo,
está em seu corpo.
E os pés?
Ah! Jamais esqueça
a função dos pés?
Não! Caminhar, não!
Correr? Não!
A função dos pés é
substantiva.
Não existem pés
adjetivos.
Aprenda a acariciar
com os pés
e saberás como é
belo recuperar nossa memória animal.
Siga direto para o
verbo, sempre, sempre.
Corpo é
essencialmente verbo,
irregular ou não,
auxiliar ou não,
corpo é verb
Tão fácil de declinar
que o corpo
se fez verbo por todos os tempos
em todos os
encontros.
Lembre-se sempre:
Nas melhores
gramáticas
é sempre grande o
papel das pequenas palavras,
quase sons
imperceptíveis, quase inaudíveis.
Como gramática
expositiva,
o corpo se expõe, se
dispõe, é fotogênico,
qualquer corpo, em
todas as posições,
corpo é aventura
gramatical,
suas regras se
resumem sempre em um corpo,
um corpo só,
capaz
de atingir estrelas,
falar com estrelas,
escalar everestes,
atravessar luas,
todas as luas,
porque as faz luas de planetas e de corpos.
Gramática
histórica,
o corpo é
aprendizado permanente.
Extrai-se apenas de
si mesmo, do próprio corpo,
ele já contém toda
a história.
Como corpo é o único
depositário de toda a sabedoria,
é ele mesmo museu e
sítio arqueológico,
busca em um corpo e
encontrarás prazeres
de faraós e neandentarlácticos.
de faraós e neandentarlácticos.
Da gramática do
corpo à enciclopédia corporal
há mais do que um
passo,
há um leve tocar de
lábios,
é quando dois se
dizem muitos,
milhares
e surgem os
neologismos da insensatez.
Eu sou um só,
entretanto,
um apaixonado e meu
único adjetivo não é adjetivo: amor.
Aqui, vale a
gramática do corpo.