Gretta sobreviveu
Gabriel
Conroy
O
céu amanhece sem nuvens. Dentro de quatro horas, às nove horas, a temperatura estará
superior a 35 graus. Quente. Muito calor. Um exercício metereológico que Jaime
tira de letra. Vale este céu limpo e bonito. O dia explodiria quente. As cores
buscam, rápidas, o azul. Às 9h, os pássaros voariam em bando e em velocidade e,
num mergulho, assustariam os peixes que apenas sabiam nadar Era a hora do vento
procurar descansar. As ondas corriam na areia.
Gretta
respira. Exercita-se. O ar quente penetra-a.
Atrás
de tudo, para lá das árvores, do caminho e dos montes, surgiam as chaminés das
fábricas e as construções altas das siderúrgicas, daí para o céu a estrada de
fumaça.
Para
lá das fábricas, a cidade. O carro, ali mesmo, encostado, debaixo da Pinheira.
O
amanhecer, o mar, o vento, as fábricas, as árvores, os dois, mais Zélia e
Nestor e puxado para a margem, equilibrado numa de suas laterais, à esquerda,
um barco.
-
Preocupada? Mude a cara. Queres duas ou três caretaças?
Jaime
estica o nariz, arreganha os olhos, enche as bochechas. O efeito nunca era
diferente, Gretta sorriu e abraçou-lhe, você, você é terrível, perigoso para o
pensamento.
Você,
você, Gretta cantava.
Abraçados.
O calor torna os corpos pegajosos. Ploc. Deitaram. Dez. Dez metros deles
e mais perto da margem, dormindo, Zélia e Nestor Barbicha.
Jaime na areia continua deitado, mãos debaixo do queixo. Olha Zélia ao
sol. Seios altos, redondos, os mamilos de moça cabaço, a boca aberta num
instante de gozo prolongado.
Bela.
As
costas estão quentes.
O
rio acabava a poucos passos. Largo, se estendendo por imposição da entrada na
baía, um rio marrom e fleumático, lento, se se atravessasse a baía entraria de
frente na cidade, passaria pelo porto cinzento, uma cor ruim parece receber o
viajante, mas todos os portos são cinzentos, segundo o velho Passos. Qual era a
verdadeira cor da cidade?
O verde
As
barcas, os veleiros, os navios seguiam para o porto. Os navios maiores vinham
buscar minério e vinham lentos e pesados.
- Gretta, vamos sair daqui.
Gretta
olha e sorri. O relógio marca nove horas. A previsão para a temperatura bate em
cheio. Ela não gostou dele ter usado a palavra enfadado – ela influiria no
enfado? Ela também sabia subtrair-lhe um sorriso e se negou a fazer isso. Ficou
em silêncio. Percebeu que Jaime queria falar.
- Por que o enfadado? Ela desvia os olhos
para o mar.
- Por que? A vida, a vida que eu vivo não é
vida que eu quero viver. E não sei descrever a vida que eu quero viver. A cada
instante percebo que sepulto mais a chance que teria de vivê-la.
Gretta
ainda deitada, não movia nada, sequer se percebia sua respiração. Calaram-se. Gretta
limpou na areia, fez um montinho e deitou o rosto.
-
Não tolero o meu dia a dia. Não tolero a cidade, muito menos o campo. Da cidade,
preciso por anseio, por causa das pessoas.
- As comunicações avançadas lhe salvarão.
- Você aprendeu metade da coisa, Gretta.
E
antes que Jaime continuasse, Gretta aprovou-o. Isso que você faz não é só você
que sente ou percebe, eu também não gosto da cidade, nem do campo. Gosto de
muitas cidades.
Gretta levantou.
-
Gretta, o sonho hoje, de qualquer um, é ser cidadão do mundo. Corre em tantas
veias o sangue cigano. Quem não se diz um cosmopolita. Ao contrário, muitos
querem ter uma casa num lugar fixo, uma casa construída por todos, por cada um,
em si e em todos os lugares do mundo, em todas as cidades que ame.
-
Poxa! Tem a planta?
- Não.
Bom. Sei que sua construção não visaria a uma experiência exterior, nenhuma
beleza exterior, tudo eu dedicaria a um interior magnífico e confortável, amplo
e belo.
-
Isso, isso - levantou Gretta
- a gente faria um enorme
quintal. Plantaríamos caju...
Gretta
parou porque Jorge ria estrondosamente, ela fez um gesto de silêncio e apontou
para Zélia e Nestor de Gerena, o Barbicha, o Cavalgadura.
-
Caju e goiaba, disse Jaime
-
Sim, goiaba.
-
Coco.
- Coco!
- Amendoim.
- Sem casca?
- Pimba, riu Gretta
- Abacate!
- Abiú!
- Cana!
- Manga!
- Milho!
- Laranja baia!
- Mixirica!
- Jabuticaba!
- Caqui!
- Doce de mamão verde com rapadura e coco!
- Sorvete de abacaxi!
- Melancia!
Gretta
jogou areia. Jaime levanta e aponta para um barco longínquo. Uma brisa empurrou
o calor...
-
Jaime, um dia ainda vou atravessara baía com o nosso barco. Gretta não
esperava a resposta de Jaime.
- Vamos agora, entre no barco.
Gretta
se embaraçou com esta resolução. Jaime olhava o rio e a baía.
-
Entre, temos combustível suficiente para ir e vir, três vezes.
Empurraram
o barco. Músculos firmes, compactos. Gretta nunca conseguiu dizer a Jaime que
tinha medo dele, do seu jeito bárbaro, quase estúpido, de resolver e fazer as
coisas.
No
céu, a nuvem extrato passa veloz na frente do sol. Angustiada, Gretta olhou
para os amigos, Zélia e Nestor Pança ainda dormiam.
Enquanto
Jaime arrumava a barca, Gretta, sentada e abraçada com suas pernas, seguia
todos os gestos de Jaime com o queixo apoiado no joelho.
-
Venha!
Gretta
deu-lhe a mão.
O
carro parado debaixo da árvore de pinha, o casal deitado na areia diminuíam,
pequenos, pequeninos.
Jaime
e o motor falavam, uma barulheira, ruídos, palavras, gritos, Jaime estava em
seu lugar, ele podia até não ser considerado excelente na direção de um barco a
motor, no entanto, carregava a vantagem da calma. Isso agora ele mostrou para Gretta
ao cortar a frente de um navio carregado de minério. Gretta agasalhou-se entre
as pernas de Jaime. Via as distâncias pelas bordas altas do barco. Viu quando
Zélia e Nestor Baixinho abanavam as mãos.
No
alto da baía, Gretta passou mal e vomitou. “Olhe apenas para o céu”. Deitou-se
na extremidade do barco. Seu estômago esvaziou-se. Corria-lhe pela boca o gosto
azedo da bílis. Queria se livrar daquele mal estar.
- Gretta!
Ela
escutou e não atendeu. Não, pensou, ele, não se dirigia a ela, falava a uma
outra Gretta certamente.
- Gretta!
Ela
olhou-o.
-
Você é uma mulher bonita!
-
Deixe-me, Jaime!
O
motor parou distante cem metros da praia. A barca começou a ser arrastada para
o meio da baía. Logo Jaime percebeu o desastre. O motor irrecuperável com os
recursos de bordo.
-
É isto, Gretta, agora se você ainda tem forças, pule. Vá nadando até a praia.
A barca voltava.
Gretta pulou.
Jaime acendeu o cachimbo. Sentado na popa, ia sendo arrastado.
Já distante, viu Gretta chegar na praia.
Ela está cansada.
Pensou.