quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

VIDA COMO EXERCÍCIO





Gretta sobreviveu





Gabriel Conroy




O céu amanhece sem nuvens. Dentro de quatro horas, às nove horas, a temperatura estará superior a 35 graus. Quente. Muito calor. Um exercício metereológico que Jaime tira de letra. Vale este céu limpo e bonito. O dia explodiria quente. As cores buscam, rápidas, o azul. Às 9h, os pássaros voariam em bando e em velocidade e, num mergulho, assustariam os peixes que apenas sabiam nadar Era a hora do vento procurar descansar. As ondas corriam na areia.

Gretta respira. Exercita-se. O ar quente penetra-a.

Atrás de tudo, para lá das árvores, do caminho e dos montes, surgiam as chaminés das fábricas e as construções altas das siderúrgicas, daí para o céu a estrada de fumaça.

Para lá das fábricas, a cidade. O carro, ali mesmo, encostado, debaixo da Pinheira.

O amanhecer, o mar, o vento, as fábricas, as árvores, os dois, mais Zélia e Nestor e puxado para a margem, equilibrado numa de suas laterais, à esquerda, um barco.


- Preocupada? Mude a cara. Queres duas ou três caretaças?

Jaime estica o nariz, arreganha os olhos, enche as bochechas. O efeito nunca era diferente, Gretta sorriu e abraçou-lhe, você, você é terrível, perigoso para o pensamento.

Você, você, Gretta cantava.
                           

                           Abraçados.
                           

                              O calor torna os corpos pegajosos. Ploc. Deitaram. Dez. Dez metros deles e mais perto da margem, dormindo, Zélia e Nestor Barbicha.

                               Jaime na areia continua deitado, mãos debaixo do queixo. Olha Zélia ao sol. Seios altos, redondos, os mamilos de moça cabaço, a boca aberta num instante de gozo prolongado.

                           Bela.

As costas estão quentes.

O rio acabava a poucos passos. Largo, se estendendo por imposição da entrada na baía, um rio marrom e fleumático, lento, se se atravessasse a baía entraria de frente na cidade, passaria pelo porto cinzento, uma cor ruim parece receber o viajante, mas todos os portos são cinzentos, segundo o velho Passos. Qual era a verdadeira cor da cidade?
                           
                             O verde

                            As barcas, os veleiros, os navios seguiam para o porto. Os navios maiores vinham buscar minério e vinham lentos e pesados.

-  Gretta, vamos sair daqui.

                            Gretta olha e sorri. O relógio marca nove horas. A previsão para a temperatura bate em cheio. Ela não gostou dele ter usado a palavra enfadado – ela influiria no enfado? Ela também sabia subtrair-lhe um sorriso e se negou a fazer isso. Ficou em silêncio. Percebeu que Jaime queria falar.

  - Por que o enfadado? Ela desvia os olhos para o mar.

  - Por que? A vida, a vida que eu vivo não é vida que eu quero viver. E não sei descrever a vida que eu quero viver. A cada instante percebo que sepulto mais a chance que teria de vivê-la.

                            Gretta ainda deitada, não movia nada, sequer se percebia sua respiração. Calaram-se. Gretta limpou na areia, fez um montinho e deitou o rosto.


- Não tolero o meu dia a dia. Não tolero a cidade, muito menos o campo. Da cidade, preciso por anseio, por causa das pessoas.

  - As comunicações avançadas lhe salvarão.


  - Você aprendeu metade da coisa, Gretta.


E antes que Jaime continuasse, Gretta aprovou-o. Isso que você faz não é só você que sente ou percebe, eu também não gosto da cidade, nem do campo. Gosto de muitas cidades.

Gretta levantou.


- Gretta, o sonho hoje, de qualquer um, é ser cidadão do mundo. Corre em tantas veias o sangue cigano. Quem não se diz um cosmopolita. Ao contrário, muitos querem ter uma casa num lugar fixo, uma casa construída por todos, por cada um, em si e em todos os lugares do mundo, em todas as cidades que ame.


   -  Poxa! Tem a planta?


   -  Não. Bom. Sei que sua construção não visaria a uma experiência exterior, nenhuma beleza exterior, tudo eu dedicaria a um interior magnífico e confortável, amplo e belo.


   -  Isso, isso - levantou Gretta  -  a gente faria um enorme quintal. Plantaríamos caju...

Gretta parou porque Jorge ria estrondosamente, ela fez um gesto de silêncio e apontou para Zélia e Nestor de Gerena, o Barbicha, o Cavalgadura.

   -  Caju e goiaba, disse Jaime

   -  Sim, goiaba.

   -  Coco.

   - Coco!

   - Amendoim. 

  - Sem casca?


   - Pimba, riu Gretta

   - Abacate!

   - Abiú!

   - Cana!

   - Manga!

   - Milho!

   - Laranja baia!

   - Mixirica!

   - Jabuticaba!

   - Caqui!

   - Doce de mamão verde com rapadura e coco!

   - Sorvete de abacaxi!

   - Melancia!

Gretta jogou areia. Jaime levanta e aponta para um barco longínquo. Uma brisa empurrou o calor...

   -  Jaime, um dia ainda vou atravessara baía com o nosso barco. Gretta não esperava a resposta de Jaime.

 - Vamos agora, entre no barco.


                            Gretta se embaraçou com esta resolução. Jaime olhava o rio e a baía.


   -  Entre, temos combustível suficiente para ir e vir, três vezes.

Empurraram o barco. Músculos firmes, compactos. Gretta nunca conseguiu dizer a Jaime que tinha medo dele, do seu jeito bárbaro, quase estúpido, de resolver e fazer as coisas.

No céu, a nuvem extrato passa veloz na frente do sol. Angustiada, Gretta olhou para os amigos, Zélia e Nestor Pança ainda dormiam.


                            Enquanto Jaime arrumava a barca, Gretta, sentada e abraçada com suas pernas, seguia todos os gestos de Jaime com o queixo apoiado no joelho.

   -  Venha!

Gretta deu-lhe a mão.

O carro parado debaixo da árvore de pinha, o casal deitado na areia diminuíam, pequenos, pequeninos.


Jaime e o motor falavam, uma barulheira, ruídos, palavras, gritos, Jaime estava em seu lugar, ele podia até não ser considerado excelente na direção de um barco a motor, no entanto, carregava a vantagem da calma. Isso agora ele mostrou para Gretta ao cortar a frente de um navio carregado de minério. Gretta agasalhou-se entre as pernas de Jaime. Via as distâncias pelas bordas altas do barco. Viu quando Zélia e Nestor Baixinho abanavam as mãos.

No alto da baía, Gretta passou mal e vomitou. “Olhe apenas para o céu”. Deitou-se na extremidade do barco. Seu estômago esvaziou-se. Corria-lhe pela boca o gosto azedo da bílis. Queria se livrar daquele mal estar.

   -  Gretta!

Ela escutou e não atendeu. Não, pensou, ele, não se dirigia a ela, falava a uma outra Gretta certamente.


   - Gretta!


Ela olhou-o.


   -  Você é uma mulher bonita!


   -  Deixe-me, Jaime!


O motor parou distante cem metros da praia. A barca começou a ser arrastada para o meio da baía. Logo Jaime percebeu o desastre. O motor irrecuperável com os recursos de bordo.


- É isto, Gretta, agora se você ainda tem forças, pule. Vá nadando até a praia.



A barca voltava.

Gretta pulou.

Jaime acendeu o cachimbo. Sentado na popa, ia sendo arrastado.

Já distante, viu Gretta chegar na praia.

Ela está cansada.

Pensou.