A Santa Japinha
Gabriel Conroy
Seu Machado introduz a história da Santa como exemplo para o mundo
novo previsto por Seu Jacinto. Seu Machado é um velho farmacêutico, formado
pela Universidade Federal de Minas. Funcionário público concursado do Estado.
Como farmacêutico da penitenciária, administrava a farmácia, comandava a
preparação de medicamentos, o controle e a distribuição.
Uma figura de homem pequena. Era o comediante Mazaropi. Semelhança
física. Cópia fiel. Muito querido pelos funcionários e pelos presos, figura discreta, voz
grossa, sempre alegre e bem humorado.
Morava a meia distância entre a capital e o presídio no bairro
Minas Caixa, em Venda Nova, um bairro de casas populares construído com
financiamento do governo do Estado.
Seu Machado chegava cedo. Pontual. Contava casos do seu passado de
namorador. Ouvia seu Jacinto, o enfermeiro, prognosticar, dias de grandes
libertinagens, diante das cenas cada vez mais agressivas de exibição sexual dos
casais.
Seu Jacinto, o enfermeiro-chefe, relatava casos de sarros entre
casais que ele observava, principalmente nos jardins da cidade e nos dias de
visitas das famílias dos presos.
“Um dia, dizia seu Jacinto, homem e mulher serão vistos nas ruas,
trepando como os animais, como cachorros”.
Seu Machado sorria e observava para seu Jacinto que sempre foi
assim e, com certeza, desde que o homem conheceu a fêmea e desde que a mulher
conheceu o macho.
Se havia idílio, cenas de amor, cenas de carinho, havia tesão,
sempre muita tesão. Apontado como o homem do maior pinto da penitenciária, seu
Machado, o pequeno seu Machado ria por ter o Maior Pinto daquele mundo de
homens presos - mais de 1.200 prisioneiros.
“Tenho um pinto grande, sim, dizia, mas não tão grande assim”.
Ao reagir às observações do seu Jacinto sobre o futuro de
libertinagem a chegar, rapidamente, contou cenas de seus namoros nas varandas
das fazendas de Minas.
“Sempre com as famílias muito próximas e sempre com muita
sacanagem, tesão e sarro”.
- Ali, nas varandas, não fazíamos com pinto e boceta, mãos, bocas
e peitos, nada muito diferente, do que os casais fazem, hoje.
Assim também na minha época de escola.
Seu Machado conta.
“Quando a Santa Japinha apareceu na escola, na Federal, com o
irmão, os dois pequenos, na pós, para auxiliar o Mestre Boni, chamou a atenção
a delicadeza, a educação, a voz delicada, os olhares, logo tudo aquilo e mais
somaram a um comportamento discreto e de profundo respeito pelos alunos e pelos
colegas. O namoro com Eduardo nasceu normal para a Santa. Apenas eu a chamava
de Santa. Seu nome, Chica, Maria Francisca.
“Com o tempo, eles, ela, o irmão e o namorado perderam-se naquele
meio entre tantos jovens. Ela sempre com um sorriso. Poucos momentos próximos
até que ela, na despedida, de volta, já casada, deixou para trás, uma pequena
lembrança para cada um de seus colegas de trabalho.
“Para mim, coube uma lapiseira e um extrato de uma discussão acadêmica
sobre Heráclito e o Silêncio, “sua grande contribuição, meu mestre, o silêncio”.
Ela ria. Deboche. Puro deboche.
“Era uma Santa, uma santinha. Uma lapiseira, o extrato que, ao
sair do envelope veio com uma coleção de fotos. A íntegra da discussão, pois
era esta a indicação. Aquilo não me chamou a atenção.
“Cara, nas fotos só sacanagem, em sua maioria, era ela a
fotografada, a personagem principal”.
“Ela, a Santa. Ela, uma
santa mulher.
Seu Jacinto ainda acredita que outro tempo virá em que as cenas de
sexo serão tão comuns que não despertará mais a atenção de ninguém.
“Nada se perderá. Será como sempre. Todas as santas continuarão em
nossos altares”.