quinta-feira, 22 de maio de 2014

QUASE UM HOMEM

Ribeirinha, Portugal








No parque e na noite


Igor Nestroy



Para Maria Newton, nas praias de Ribeirinha, Portugal








Brenda, eu gostaria de ser sincero

Dizer que nada disso é vulgar

As árvores, finas,

e as pernas, finas de Brenda



No parque, no meio da grama 
 
escondidos, no escuro, da interrupção



Abrigo de vagabundos, de amantes e    

de poetas



Nas pernas de Brenda, no centro

do existir de Brenda


Todo fogo apagado com suor e neblina

Veio o vento e derrubou os eucaliptos     

- Como você se chama?

- Quitcha.




            Desceu o avião em Carrasco


            Seu nome? Quitcha?


            Sandra de los Andes




Corre o carro em Júlio Romero

Como pode ser tão bagunçada?!

Quitcha!




            Outubro na praia do sol

            Cara ou coroa?

            Brenda ou Quitcha?



Cara a cara com a areia



Sobe a representante no alto de nossas cabeças




Quem sabe quando este discurso cala?


Quitcha?

Outra vez esqueci seu nome








TRISTINHA



Linda   

no espelho, no sorriso, na piada dos    

políticosquesãopalitos




Minha boneca,

eu queria ver sua alegre alegria


Se eu pudesse pintar o céu todas as manhãs


Se eu pudesse coloriria os seus dias



Cada dia uma cor nova


Cada dia o tom exato de ser a você




Até seus periquitos gostariam da ideia

Até Fofoca ( cachorra ou sabão?) voltaria

Aos poucos libertando-se do terror de ser amado

Aos poucos recuperando o poder de poder amar



Linda   

na porteira e no jardim




Minha   

na poesia e em mim










CAMÉLIA inda não acordou   

o dia escapa-lhe entre os sonhos

Onze horas   

Camélia inda dorme






Não, não vou acordar Camélia/não posso


Não se permite/nenhuma ingerência

    
nos sonhos de Camélia/ quando ela se levantou

 
rosto inchado,/ boca aberta/ 


Eu ganhei um sorriso








Prédio ruindo

Nenhum grito

Ninguém

O prédio ruim  

até superou sua altura   

a poeira e o silêncio  

nenhum apelo  

a morte aceita   

a morte sem dor   

nenhum gesto desesperado   

nenhum ato de heroísmo   

nenhum romance para a notícia   

ninguém ouviu o barulho?   


Até o ar conspirou   

e se fechou  

queda sem testemunhas   

queda sem sobreviventes  

queda sem escândalos    

o prédio nunca mostrou-se débil   

simplesmente ruiu



Raios de cores brilhantes   

romperam-se por entre nós   

separando, confundindo, anulando


Raios azuis, amarelos, vermelhos

Raios de uma luz colorida

Raios de tinta essência



Traído pelo raciocínio falso   

quando a ideia era de jarro

Vendo sumir aquilo que envelheceu

Oculta a covardia no assalto

Aproximando-se da miragem

Nervoso perto da certeza

No papel a palavra que desenhou

E a palavra sem sentido, juntamento   

de linhas





A porta aberta  

por onde sai   

a mulata sem compostura  

a voz da senhora   

o miado espichado

 mulata olha o céu   

e nada vê mais branco   

apanha o balde   

apanha a vassoura    

para lavar a cozinha    

da patroa




A senhora espreguiça   

e balbucia uma frustração   

que o chão e o teto entendem   

retira o lençol   

ergue-se a camisola da senhora



O gato bebe leite   

olha o prato  

e enjoado sai pela casa   

à procura de um rato    

à procura de sol    

vai para a porta   

o gato da senhora





A mulata sente uma dor    

no ventre      

peida no corredor da senhora    

e foge apavorada

(não do peido)    

da senhora  

Atropela o gato  

na porta aberta





Quando chegar o minuto   

exato de navegar   

exato de atravessar   

quando a hora for certa  

tudo, tudo, medido    

examinando a última ilusão

Quando  chegar o momento  

eu não hesitarei, não recuarei  

estejam como estiverem o mar  o céu






Ventos passantes   

escutai-me   

a estas horas  

eu amava   

a mais bela dona   

e hoje estou aqui

A estas horas   ela sorria        

e me dizia

(com voz de loucura)            

que o amor era eterno,

Eta ironia!

Uma baita ironia!

Crédulo, crédulo serei sempre          

Palavra no amar não são palavras

São sons, sons, puros sons e suores.





A estas horas

Perto do meu corpo    

o corpo quente   

da mulher que amei  

língua ligeira loucura


A estas horas  

eu dizia asneiras   

e ela sorria  

e eu brincava  

na vida, de viver


A estas horas  

eu era louco  

ela era louca  

porque amávamos?

Amávamos de verdade



Horas passantes   

escutai-me   

agora que estou só  

apenas, eu continuo louco   

não acreditando mais   

em nada do que é eterno



Então, queria poder abraçar

(não poder também foi bom)  

é que eu não sei   se minhas mãos    

seriam bastantes e capazes    

de abarcar sua meiguice   

de surpreender sua esperteza   

não sei se entenderia sua insistente  

vontade de brincar




(Você conhece o perigo/ 

tem medo de cair do muro./ 

Quem lhe ensinou o perigo?/ 

se você nunca caiu do muro?)




Ali, naquele lugar   

encostado, sozinho   

com muitos pensamentos    

e faminto   



Mesmo ali  

estive num lugar risonho       

de dias passados   

não quis sonhar    

pensar no que virá    

lembrar... isso é bom     

catar de memória  

os troços poucos que me trazem você    

palavras chegam   

e até sonhos em sonhos esquecidos    

lembrei dos silêncios   

das conversas esgotadas     

de nossas mãos  

do seu olhar  

dizendo onde mel olha    

assim no fim da tarde   

que não quer prosseguir    

percebo, os goles com que trago  

todos os seus dias    

todo o existido   

o odiado   

o amado   

e o pensado     

Depósito de vidas  

que sempre vivem  enfim a noite irrompe     

sacode suas mantas  

e permite que novamente    

cheguem os nossos dias



Afastando do campo     

onde deixei vinte e cinco anos   

onde deixei misturada com velhas lições     

a memória rasgada



Afastando do claro

(ou do escuro?)      

onde vejo as cores e as frutas    

de um pomar sempre pomar


Afastando do campo  

me desfazendo  

de laços e embaraços   

perdendo verbos e substantivos


Afastando do lógico e do ilógico

do ser e da negação do ser

da parte e do todo


Afastando de pés e mãos   

da imensa gruta de histeria  

onde nascem os discursos   

onde nascem/morrem palavras e homens



Afastando de tudo  

o que é falso   

de tudo o que é   

plástico e sério



Afastando das vestes   

e das faixas   

dos idiotas e dos sábios  

dos princípios e dos argumentos


..........................................................................................


50 anos depois

A confissão



Este foi um poeta

ali, aos 25 anos.

Quase um poeta

Ele arquivou tantas palavras

largou outro tanto

em esparsos sonhos, perdidos...


Foi ser um homem

(pretendia)


Um homem livre

(pretendia)



Foi romper estradas

(rompeu)



Limpar vidraças

(limpou)



E escreveu sobre os homens

as histórias dos homens



Mapeou sons, montes e águas

Decorou outras poesias

(não eram poemas?)


Ele seguiu

(insistia em ser homem)


Sabia que não seria

nunca mais um poeta


(Teve razão)