quinta-feira, 17 de julho de 2014

A IMITAÇÃO DE CRISTO 2





Massa Carrara - A Catedral de Carrara, na Toscana




Toda dor em seu olhar

Adriano Augusto 



Ela não surgiu na história assim do nada. Não apareceu aqui sem nenhuma razão.

O que uma mulher poderosa quer em uma penitenciária de homens perigosos, assassinos e bandidos?
Tentem entender. Nós precisamos saber alguma coisa sobre ela para também entrarmos nesta história. É, é a Lei de Gerson, sim.

Temos que ver a vantagem, qual a vantagem que podemos tirar da presença dela entre nós?

A nosso favor, ela não gosta de assassinos. Diz que nos aceita como ladrões e golpistas e que não aceita ladrões de vida.

Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém. É o que ela pensa.

Deus? Olha, cara, ajudo o padre e não sou coroinha e não entendo e nem quero entender nada daquela porra. Não me faça este tipo de pergunta.

Eu sei lá se deus quer saber da vida dos homens e de quem tira a vida de alguém. É a certeza dela, têm mulheres que tem isto na cabeça, a vida é uma dádiva, é esta a palavra que ela usa, é uma dádiva de deus. É algo que deus dá e que ninguém pode tirar.

Matar não é minha praia. Nem mesmo roubar. Sou 171.

Ontem, ela me disse que menina ainda sonhava em ser freira, viver em um convento e sonhava com o hábito. Hábito? É a roupa de freiras, aquelas roupas brancas ou pretas ou marrons por onde encapam, cobrem, as mulheres. Dizem que elas casam com Cristo e Cristo tem alguma coisa de árabe. Não, não é muçulmano. Digo que tem alguma coisa de árabe porque as mulheres de Cristo são todas elas envelopadas. Todo homem é ciumento, acredito que deus também é. Por que o filho não seria?

No sonho dela de ser freira, aos 12 anos, morando nas montanhas de Carrara, na Itália, ela foge de casa. Pelo que ela deu a entender, este tempo, que ela ainda tem nítido na memória, foi um tempo de muito sofrimento. Dela? Não. Ela estava feliz. O sofrimento era o sofrimento dos pais. Não passava pela cabeça daquela menina sonhadora, sonhos religiosos, coisa de louco, que os pais sofreriam tanto. Ela feliz no convento, paparicada pela igreja, pelos padres, freiras e beatas. Os pais desesperados e desestruturados.

Diziam que sequestraram, não foi a palavra daquela época, ela me alertou. Era o sentimento dos pais, para eles a filha fora roubada. Não perceberam que antes de roubá-la, roubaram a cabeça dela, fizeram a cabeça da menina na escola, foram encantando-a e ela vivia maravilhada com aquelas imagens de sonhos divinos. 

Dançou.

Foi com as próprias pernas para um outro tipo de inferno e que eles não diziam que era inferno. Não, não. Ela não contou a história desse jeito que eu conto. Ela sofreu com o sofrimento dos pais e me disse que era tanta a certeza de que ela queria ser freira, que não deu a mínima ao sofrimento do pai e nem da mãe. Como ela sabia? As colegas diziam. Sabia que a mãe não parara mais de chorar, chorar se chovia, chorava se fazia sol, suas lágrimas eram tantas que mudara o seu rosto. Em pouco tempo, os olhos inchados ficaram deformados. Era uma velha de 30 anos.

Houve um momento, uma cena que ela gravou e que a corrói até hoje. De uma janela do convento viu um casal de velhinhos caminhando com dificuldades por um beco, depois da missa. Logo que viu o casal, pelas roupas, o identificou. Num primeiro momento, ela abaixou porque não conteria o seu choro, a sua vontade de chorar, mesmo que as lágrimas não viessem, abaixou para esconder o rosto. Não queria ver. Também não se conteve.

Acompanhou o casal de passos lentos até que eles desaparecessem entre as casas, nas ruas estreitas de Carrara.

Esta dor, um bolo no estômago, ela diz que sente antes mesmo de chegar em sua memória a imagem dos seus pais se afastando.

Tudo isto aconteceu antes dela ser mandada para Roma, onde concluiu seus cursos.