segunda-feira, 28 de julho de 2014

A IMITAÇÃO 3 A PRISÃO







Os prisioneiros



Adriano Augusto







Ela foi prisioneira. Ela conhece uma prisão por dentro, cara. Ela é uma pessoa, uma mulher que viveu a nossa vida de prisioneiros.


Ela esteve presa e não foi por pouco tempo. Apanhou e sofreu assim como a maioria de todos nós que é torturado, dia sim, todos os dias, em todas as prisões desse mundo tão gigante e tão pequeno.


A revelação do Pimenta não gerou nenhuma estranheza. Nenhuma perplexidade. Nenhuma concordância, é bom que se registre a indiferença. É algo como se fosse normal.


Apenas um silêncio e assim mesmo este silêncio foi cortado apenas por Agustinho enrolando seu baseado.


Ela...


... continuou, falou pausado, tranquilaço o nosso Pimenta.


...


Ela é bandida. Era mulher. E era bandida. Era santa. É bandida. Toda mulher é isto mesmo santa e bandida. Não escapa. Nenhuma. Assim como estamos condenados à prisão, elas também estão condenadas à bandidagem e à santidade, algumas vezes mais bandida, quase sempre. Sempre (corrigiu a tempo).


Pimenta olha fixo e acompanha a fumaça que já domina o espaço amplo, cada vez mais amplo, onde o cheiro da erva é degustado.


Vamos ver com mais precisão. Quem de nós veio para a prisão porque fez o bem, ajudou uma pessoa, salvou uma vida?


Veja, meu amigo Agustinho, onde ela passou a maior parte dos seus dias de prisão foi no fim da guerra em um campo de concentração montado pelos EUA no  Marrocos, no norte da  África.


Mais, mais. Antes ela fora condecorada pelos seus carcereiros. Ela estava presa, não pelos seus atos e suas responsabilidades, ela estava presa porque era italiana (é como hoje ser árabe, moreno e ter bigode). Para os que ganharam a guerra, ela era uma inimiga. Era apenas uma italiana. Uma líder. Uma pessoa de iniciativa e cuja iniciativa era a de salvar vidas- até a vida dos inimigos, para ela, devia ser salva. O homem não podia ser inimigo do homem. Isto não entrava e não entra na cabeça desta mulher.


- Não foi condecorada?


- Sim. Sim, ela foi condecorada porque salvou vidas. Até os idiotas e os loucos são capazes, em seus baratos de reconhecerem o outro. Nos hospitais que dirigiu, recebeu feridos. Ela não podia olhar, nem os seus médicos, a farda, a nacionalidade, nada disso. Ela salvava vidas. Por isso, recebeu homenagens e condecorações dos alemães, dos italianos, dos etíopes, dos ingleses e dos norte-americanos.


Mas a guerra terminara e a Etiópia, onde os italianos foram derrotados, ocupada. Ela teve que ceder o hospital que estava sob a sua direção.


Dali para uma prisão e depois para um campo de concentração, montado pelos norte-americanos, no Marrocos. Ficou quase dois anos em um campo de concentração. Voltou para Roma, onde tornou-se uma executiva do Vaticano e, ali,  conheceu o padre Gemelli.


Ela conta que na Líbia, em Adis Abeba, debaixo de intensos combates e bombardeios, o hospital que dirigia,bombardeado pelos norte-americanos, teve que transferir suas alas para as ruas e, em pouco tempo, o hospital espalhara-se em muitas casas, ruas e becos. Cirurgias eram realizadas a céu aberto.


Era o que podiam fazer para salvar vidas. Não ter medo. Vejo o que acontece hoje em Gaza e me passa pela cabeça quantas vezes isto tem acontecido neste mesmo tempo em que vivemos em vários lugares. Penso na batalha de Stalingrado que podemos ler naquele livro grosso da biblioteca da penitenciária.


Na guerra, é proibido ter medo. Diz ela. Sei não. Ela disse isso. É, ela disse isto. Penso cá, como não ter medo? Como não sofrer? Como não chorar? Tantas crianças mortas! Serão alvos. Alvos? Os novos alvos? Serão sempre alvos?