A menina Zé na casa de Naná
(Um mundo pelos olhos de uma menina de 13 anos,
em Belo
Horizonte, na década de 30 do século XX)
Josias Barbuda
- Conheci Nonô na casa do dr. Júnio Salvador. Nunca
imaginava
- Chegou e pediu para passar um terno azul
- Nonô era o irmão de dona Naná, mulher do doutor Júnio.
Chegava ele e Sarita. Dona Sarita, mulher de Nonô, era uma mulher muito feia.
Tinha os dentes encavalados. Sentavam na nossa frente para tomar café.
- Naná era doente.
- Cocainômana?
- Diziam
- Ela ficava
olhando pela janela fechada. Ela abria a cortina assim, puxando de lado. As
pessoas pediam informações sobre quando podiam falar com ela
“Hoje, pode falar com ela”.
- Não era todo dia.
- Naná ficava, muitas vezes, sentada, conversando com o
doutor Júnio.
- Ele segurava a mão dela. Ali, ficavam horas e horas.
Ali, num canto, os dois conversando.
- Naquela época conhecíamos o Nonô apenas como doutor Juscélio,
irmão da dona Naná.
- Foi o Júnio quem pôs o Nonô na política. Júnio Soares
fora chamado para ser o administrador e indicou o cunhado.
- Júnio era preguiçoso, diziam. Era o que diziam. Não era
verdade. Eu percebia que ele jamais abandonaria, em instante nenhum, a sua
Naná.
- E tinha mais, doutor Júnio gostava da clínica. Gostava
da medicina e parou de clinicar depois da morte de uma jovem freira do Sacré
Coeur, uma freira portuguesa que morreu com 22 anos. Ela com uma crise grave de
apendicite e informações de crises histéricas anteriores, teve o diagnóstico
tardio e morreu. Disseram na época que, embora raro, o apêndice da freira era
do outro lado do corpo e isto enganou o médico.
- A partir deste episódio e da assistência a dona Naná, o
doutor Júnio foi reduzindo sua atividade clínica. Talvez, por isso diziam que
ele era preguiçoso.
- Maria e Bela, as filhas do doutor Júnio, eram mais
bonitas do que dona Sarita.
- Hoje, Bella está gorda e velha.
- Eles me buscavam sempre no Sacré Coeur para passar os
fins de semana. Júnio era muito amigo do Juca, meu pai.
- Eu ia para a casa deles aqui na avenida Paraúna, hoje
avenida Getúlio Vargas. Ou então íamos para a casa da Pampulha.
- Lá na casa da Pampulha vi pela primeira vez um aspersor
molhando a horta. Maravilhada, passava horas vendo aquilo, a água voando, as cores
e as plantas ganhando cores.
- Íamos para a casa da Pampulha em ocasiões especiais.
- Uma vez, numa festa de São João, na casa da Pampulha,
pegaram o doutor Mendes beijando a dona Sarita.
- As meninas, nós todas, queríamos saber dos detalhes, da
verdade, seria ou não verdade, quem viu, como as coisas aconteceram. Uma
conversa que não terminava.
- Depois, outra: Nonô pegou a Berila.
- Beila era mulher do doutor Mendes. Mendes de Souza era
irmão do doutor Petrônio.
- Mendes era um homem muito bonito como o doutor
Petrônio. No casamento de Berila com o doutor Mendes, um avião despejou pétalas
no percurso entre as duas igrejas. Eles casaram na igreja católica e na
sinagoga. Ela era judia..
- As sobrinhas, Maria e Bella, perguntavam ao tio Nonô o
que ele vira na Sarita. Ele, segundo elas, tão bonito, e a Sarita, tão feia. O
que o tio viu na tia, perguntavam como um código entre os três. Mas Nonô era
feio. Tinha presença. Isto encantava as pessoas, homens e mulheres. Um homem
alegre e feliz, sempre feliz.
- Nonô passava muito tempo na casa de Naná, conversava,
ouvia as pessoas e ouvia muito o doutor Júnio.
- Era uma pessoa diferente. Ele via os outros, gostava de
gente. Ele ouvia e gostava de ouvir música também.
Nonô e Naná |