Quem
promove, pratica
Júlio Alfonso Gurgel (*)
Esta
é a história de Marialva Gurgel, a proprietária da agência Olímpica Wend, promotora de encontro de casais.
“Uma
agência para o amor” dizia ela, quando a conheci no início do século.
Ao
longo de dez anos estruturou uma empresa de sucesso para o amor, o namoro e até
casamentos.
Tudo
isto antes da internet.
A
Olímpica possuía dois fichários. Um, já digitado, tem a relação de clientes,
resumo de histórias, o primeiro contato com a agência, o cadastro, o primeiro
encontro e o resultado de todos os encontros na sequência.
“Este
chegou a ter mais de 40 namoradas, 47. Quarenta e sete namoradas”.
-
Por que parou? Ele sumiu?
“Dois
anos depois, curiosa, e com um pouco de sorte, apanhei a ficha dele. Sorte?
Sim, tenho mais de 25 mil fichas. Dentista, professor da faculdade. Fui atrás
do “Guloso”. Estava em casa com a família, uma senhora de mais de 100 quilos, uma mulher alegre e bem
disposta, comandando uma equipe de 5 filhos. Não estranhou a minha chegada. Um
homem sempre tranquilo. Alegre, me recebeu muito bem, disse quem eu era e o que
eu fazia, pois achei que ele não me reconhecia. Entendi a cautela e o cuidado.
Alegre, sempre alegre e com um sorriso colado no rosto. Bem humorado, ele disse
que encontrara a mulher da vida dele e, como não a encontrara na agência, não
comunicou. Era a 48º. E ali estava ela com a ninhada.
O
outro fichário era algo mais para diário. Registros da sua “louca aventura”,
dizia ela. No alto da ficha o nome de um homem e uma palavra-código ora azul, ora vermelha ora preta.
“Ninguém é um arco-íris”.
“Ninguém é um arco-íris”.
-
Você leu “O Amor nos Tempos do Cólera” de Gabriel Garcia Marques? Vivi o outro
lado da moeda. Era o homem. Eu sou a mulher. Eu tenho a minha lista. O meu Outro Fichário.
Sou mais organizada. A mulher é mais organizada.
O homem também tinha a sua lista.
“O
Amor nos Tempos do Cólera é a história de Gabriel Elígio Garciá, poeta,
violinista e telegrafista, que se
apaixonou por Luiza Márquez, de quem foi separado logo no início do namoro, jovens ainda. Até o reencontro, Gabriel
relacionou todas as suas aventuras. A lista das mulheres dele é o meu fichário de meus homens. Na biografia do escritor,
consta que é a história real dos pais de Gabriel García Márquez. Meu fichário é a minha história real.
“Decidi
fazer este fichário, como Gabriel Elígio fez a sua lista de mulheres que amou, quando me percebi envolvida com meus clientes. Já eram algumas dezenas. Tinha
que ter o controle como Gabriel, ele com sua lista e eu com o meu fichário. Não podia
perder o controle. Alguns mais sérios do que outros, mas todos eles foram meus
“queridíssimos”. Não passava pela minha
cabeça que em pouco mais de três anos conheceria mais de mil “bons amigos e
companheiros inesquecíveis”.
“Ah!
Jamais abandonaria meu marido, o pai dos meus filhos, um homem bom e
verdadeiro”.
Ela não olha pra mim e nem em minha direção.. No espelho da
cristaleira, vi su expressão de mulher esperta.
- Diga que eu só volto quando me encontrar.
A
mulher não olha para mim. Sequer olha para o meu lado. No espelho da
cristaleira, registro a expressão de uma mulher esperta, ainda que linda.
Adalberto
Albergaria, 27 de abril de 1996, uma quinta-feira. O nome do milésimo homem
estava numa ficha de três folhas, ao contrário das outras. E esta ficha, a
milésima, correspondia a uma porção do fichário, agora, estávamos em 2005, nove
anos depois, os nomes continuaram a ser anotados.
“A partir do milésimo não contei mais, mas
resolvi anotar tudo e continuar com as observações a respeito de cada um. Imaginei que talvez este material fosse um dia útil para alguma pesquisa sobre
a mulher na passagem do século XX para o XXI. As mulheres do século XX fizeram várias revoluções e ganharam de goleada várias vezes não dos homens mas delas mesmas e sem marcar gol contra”.
As pessoas são riquíssimas.
Quando amam, seduzem, buscam o prazer, se tornam mágicas, fantásticas.
Inesperadas. São outros seres. Não saberia te dizer o que é um homem
apaixonado. Sei que é uma figura maravilhosa. Surpreendente até mesmo quando
está perdido.
Um homem apaixonado é capaz de
provocar uma tempestade de pétalas de rosas. Quem fez isto? Foi o Roberto
Gontijo. Era aniversário de uma mulher por quem ele foi e ainda, naquele dia,
estava apaixonado. Terminaram aquele “caso rápido” e ela despedia da família, em
Bom Despacho. A festa foi na fazenda da família de Honório Queiroz Bastos. Ela
estava de partida para Copenhague. Ali, todos reunidos em torno da piscina, céu
azul, viram a aproximação do helicóptero e, em seguida, a chuva de rosas. “Foi
uma tempestade”. Disse ela ao contar a cena às amigas na Suécia. Naquela hora,
ela chorou nos braços do noivo que a levava para fora do Brasil.
Não saberia
dizer o que é um homem apaixonado. Pois eles perdem a razão.
Leiam Servidão Humana de Somerseth Maugahm e conheçam o doutor Philip Carey.
A mulher é poderosa e é surpreendente, maravilhosa até mesmo quando tudo está perdido. As mulheres não perdem a razão. Nestes momentos decisivos, elas se tornam mais sábias.
Raramente, a mulher comete um crime passional.
Leiam Servidão Humana de Somerseth Maugahm e conheçam o doutor Philip Carey.
A mulher é poderosa e é surpreendente, maravilhosa até mesmo quando tudo está perdido. As mulheres não perdem a razão. Nestes momentos decisivos, elas se tornam mais sábias.
Raramente, a mulher comete um crime passional.
“Foram
quase três anos. Três anos dá mil e 95 dias. Conheci, verdadeiramente, quase um
homem por dia. Algumas vezes, e não foram poucas, estive com dois homens em um
dia, um no café da manhã, naquele hotel da Savassi, na avenida Getúlio Vargas,
onde ele tinha um apartamento reservado, era dele, e outro à noite para um
jantar à luz de velas e um bom Bordeaux. Apenas duas vezes estive com três
homens, um de cada vez e em locais diferentes”.
“Foram em dois momentos diferentes. O primeiro no Zaandan, navio holandês, num cruzeiro
de Buenos Aires ao Rio de Janeiro. Tudo em um único dia. Na madrugada depois do
baile, o capitão do navio apareceu ainda vestido como uniforme de gala e muito
perfume. Cedo, veio o garçom irlandês. Não entendia nada do que ele falava, o jovem irlandês me trouxe
fatias de melancia. Acabara de dormir depois do almoço e de tomar banho, quando
o português do Eça, um homem casado e que viajava com a mulher, bateu na
cabine. Trazia um livro de Eça de Queiroz. Eram As Correspondências de Fradique
Mendes. Português, professor de literatura, nos dois últimos dias, nos deu
extensas aulas sobre Eça, na presença da mulher, dona Margarida. Ela vivia cansada daquelas aulas, “ele
repete, repete, repete, mas é um louco pelo Eça”. Mulher compreensiva.
Ao meu lado, ele disse que “escolhera
aquela que seria a melhor carta de Eça, destinada a Bento de S, o gajo que
teria, segundo ele, a ideia “daninha e execrável” de fundar um jornal.
“Acreditava
que eu fosse uma jornalista. Ali, na cama, leu a carta. Ele não iria embora sem
muito carinho e sem uma atenção especial. Voltou para a senhora Margarida feliz
e cansado. Deixou comigo a carta”.
Veja
como é interessante o que Eça de Queiroz fala sobre os jornais. Vou ler para
você. Você é jornalista. Eu não sou.
“Há três atitudes que matam uma sociedade, são elas a
Intolerância, os Juízos Ligeiros e a Vaidade. E que um jornal só pode
contribuir para isso. Porque o jornal é por definição um lugar de notícias
ligeiras e de juízos apressados”.
"Para julgar em Política o facto mais complexo,
largamente nos contentamos com o boato, mal escutado, a uma esquina, numa manhã
de vento" (p. 244). "
(*)
Júlio Alfonso Gurgel é jornalista e escritor, autor de “Os Dias de Angélica”,
romance, e do estudo sobre comportamento em “Depois de Carmem”