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"O jogador de xadrez de Maelzel" |
Meu Verdadeiro Medo
Heraldo Gomes, geógrafo
“Sinto terror
de mim, mais que do mundo
Que matéria me ergueu, que astro mau?”
Murilo Mendes
Eu
aterrorizo-me
surpreendo-me
à distância
quando
olho meu retrato
(sempre
os mais recentes).
Aterrorizo-me
no gesto impiedoso
Tenho
medo de mim mesmo
Medo
de encontrar-me comigo
De
dobrar uma esquina e de repente
estar
frente a frente comigo mesmo
Eu
e eu
Ou
eu e o meu pensamento
Eu
e o meu passado
Ou
eu e o meu futuro
Medo
de acordar-me ao meu lado
de
virar e dar de frente comigo mesmo
Eu
e o monstro que sou eu
Ou
eu e o belo que eu sou
Ou
eu e o menino que sempre sou
De
repente não mais de que repente
abro
a porta,
depois
de ouvir uma campainha
que
só eu ouvi, e eu mesmo estou ali,
paradão,
sério
(sempre
com um sorriso escondido)
pedindo
passagem
- Posso
entrar?
Como
negar a mim mesmo
o
acesso às raízes
à casa,
à sala
Olho
e no rosto
o que
vejo?
(não
é bem um retrato
ou um clone
ou um filho)
ou um clone
ou um filho)
Não
mudei nada.
-
Um belo exemplar de velhaco!
Irônico,
debochado,
indiferente,
irresponsável,
cá
estou eu e eu
(Já
me percebo um terceiro
a observar os dois eus).
a observar os dois eus).
-
Seu nome (deveria perguntar?)
Penso
no sentido do nome para mim
e para um outro homem
e para um outro homem
Não
há sentido
Há
desviacionismo, há maldade,
há tergiversação
há tergiversação
Homem
não tem nada a ver, sempre,
sempre, com o homem
sempre, com o homem
Devo
então perguntar
- O
que você-eu quer?
Mas
o que eu responderia
para este eu que eu não soubesse.
para este eu que eu não soubesse.
Teatralmente
um absurdo
ou
uma conversa de palavras
Só
olhar e só ser olhado, eu olho eu,
qual
dos dois é o que faz esta observação:
o
eu que abriu a porta
ou o eu que pede passagem.
ou o eu que pede passagem.
Assim,
haveria eus espaciais
com
marcação diversa no tempo
e
no espaço desta cena
Haveria,
então, dois eus;
por
que não existiriam mais
eu
plural, eu múltiplo?
Eu
que aterrorizo-me
talvez
pudesse sonhar em encontrar
tão
perto ou tão longe
um
eu que me empolgaria,
apaixonante,
enlouquecedor,
um
ser bom,
um
ser feliz.
“Quando me olho, tantas formas palpo
Que o tempo
suscitou para me plasmar.
...
Vejo-me
estranho a mim, à minha voz,
Ao meu
silêncio, ao meu andar e gesto”.
(Conhecimento,
in Parábola de Murilo Mendes)