sexta-feira, 31 de julho de 2015

ULISSES





Lendo Ulisses 

na cela de isolamento

 em Porto Alegre





Horácio Matos


O Pequeno General, pequeno e magro, magro e inquieto, mandou Horácio abrir a mala.

A mala já fora aberta e todo o seu conteúdo fotografo e todos os livros catalogados.

Era uma mala, basicamente, de livros.

- Escolha os livros que você queira levar para a cela. Calcule de 30 a 45 dias de prisão, que será o tempo da prisão preventiva, autorizada pela LSN e pelo STM. Seu advogado, doutor Antônio Evaristo de Moraes, já protocolou seu habeas corpus.

Horácio não vacilou, nem mesmo olhou outras obras.

Pegou o Ulisses, de James Joyce, na tradução de Antônio Houaiss, um catatau de 846 páginas, editado em 1966, pela Editora Civilização Brasileira.

- Vai levar só este?

- General, ainda não fui condenado em nenhum processo pela Justiça Militar, mas eu mesmo já me condeno: Acompanharei Ulysses de volta à sua Ítaca.

- Não quer levar outros?

- Basta este e este será suficiente para uma leitura de 30 a 45 dias. Lerei agora, que me dão a oportunidade, ou não terei outra chance.

Em sua estante, lá na sua casa, o Pequeno General localizou o seu exemplar do Ulisses, de James Joyce, um autor da sua juventude na universidade inglesa.

Começaria a lê-lo também. Apenas teria menos tempo do que o seu prisioneiro.

Quando Horácio saia da sala, o general perguntou porque viajava com uma mala cheia de livros.

- Exemplo do general Plácido de Castro, que transportava nas selvas da Amazônia seus livros em bruacas, em lombos de burros. Exemplo também do general Bolívar, o Libertador, que no comando de grandes exércitos, deixou seus livros como embrião das grandes bibliotecas dos países libertados. Exemplo também de José Marti.

- Exemplo de Che Guevara – interrompeu o general

- Mais do que livros para carregar, Guevara escrevia livros e os seus diários. Bolívar cartas e constituintes. Marti, poesias.

Com o Ulisses de James Joyce, Horácio passou os seus 45 dias na cela de isolamento do quartel da Polícia do Exército em Porto Alegre.

Uma semana depois, em interrogatórios que, raramente, eram compilados pelo escrivão, pela primeira vez, o general voltou a falar do livro.

- O que você já leu do Ulysses?

Pergunto o porquê de alguns nomes, Dedalus, Stephen Dedadus. Bloon, Leopold Bloon.

O Pequeno General disse que também iniciara a leitura e acompanharia a leitura do prisioneiro.

- É um direito adquirido pela passagem para a reserva.

- General, nesta, eu levo a vantagem do isolamento.

- Sempre fui disciplinado. Até onde você leu?

A partir daí, começou o combate. Um mega desafio. Para os dois.


O Quartel da PE de Porto Alegre foi demolido tempos depois para ceder espaço a uma Estação de Ônibus