quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O CONVIDADO






Um gato para circo
  
José Floduardo





Graminha é o nome do lugar. Muitas chácaras, muitas árvores. Lugares bem cuidados e sinais de obras em execução. A Graminha fica a dois minutos quando muito do centro da cidade. É muito perto.

Com certeza, lógico, há o sair da cidade. Pegar uma estrada estreita, curvas improvisadas por quem recortou o morro.

As chácaras da Graminha ficam nas bordas do morro. Resultado de quase três décadas de construção. A chácara da Miméia deita no morro, sobe e desce a encosta.

A estreita estrada do ônibus passa na porta da frente e lá atrás, nos fundos, há outra entrada e naquele alto, por onde também se chega é que já há algum tempo passou a morar um gato.

“É um gato grande muito grande mesmo”.

Quase oitenta anos ou mais, seu Wilson tem com certeza mais de um metro e oitenta de altura, se não tem, parece, pois a sua magreza realça a figura fina e a encomprida talvez bem mais do que tenha de altura.

É um homem alto e lá, daquela altura, ele deixa cair a cabeça. Parece que a cabeça vai cair. Parece muito pesada. Não cai. Não pesa. Talvez seja o movimento da cabeça que lhe dá agilidade ao se levantar.

Como se desse um pulo, o mesmo pulo do gato negro, grande e que ele admira.

“É um grande gato e apareceu aqui já grande. Chico, o cachorro, olha só o tamanho dele, dá dois do gato. Chico morre de medo do gato. Preste atenção! Quando o gato aparecer, Chico vai descer rápido, vai sair de perto. Foge como um foguete. Ele tem medo do gato, nunca vi isto antes: cachorro ter medo de gato!”.

Pouco mais de 70 anos, dona Eda, a mulher do seu Wilson, desliga o rádio. 

É o silêncio ou é o rádio. 

Os três estão ali, no alto, em sua casa. Foi ela quem acolheu o gato. É ela quem o alimenta. 

Em troca, o gato, todos os dias, pontualmente, às 6h30, a acorda.

“Não queria contar isto para ninguém, quem iria acreditar, primeiro que um gato acordaria uma pessoa. Depois que sempre fosse tão pontual, é o meu Gato-Despertador”.

Quem diz que também é acordado pelo gato é o Hélio. Seu Hélio, um dos funcionários da chácara e que cuida da horta.

“Se ele não dissesse, primeiro, que tinha esta experiência, eu não contaria, pois não iria forçar ninguém a acreditar no comportamento rotineiro e carinhoso de um animal tão pontual, metódico”.

Ela já teve outros gatos antes ao longo de sua longa vida. Sabe de que um gato é capaz. As histórias da capacidade dos cachorros de percorrerem grandes distâncias para encontrarem sua casa e seus amigos não se comparam às mesmas peripécias dos gatos.

Dona Eda teve um gato que, depois de dar para diversos vizinhos da fazenda, em Eugenópolis, sem nenhum resultado, pois ele voltava sempre para sua casa, mandou-o,  de carro, para depois de Santos Dumont, quase 200 km de distância.

“E o gato voltou”.

Este grande gato preto faz a alegria do seu Wilson, todos os dias. Seus pulos precisos atingem alturas inacreditáveis e ele se equilibra sobre armações aparentemente frágeis, que não suportariam seu peso.

“É um gato de circo, seus pulos não são pulos comuns, simples pulos, são malabarismos, obras de arte”.

 Ao atingir, uma fina barra de aço, ele fica de costas para a sala. Para virar-se, ele salta, roda no ar e cai sobre a barra, de frente para a sala.

Destreza, precisão e rapidez.

E tudo isto falta-lhe para pegar passarinho.

“Nunca vi ele levar a melhor com os passarinhos – petiscos dos gatos. Depois do susto, os passarinhos, de um galho distante, observa-o e vai embora, voam debochados para longe. Sabem o perigo que correram. Rato, ele traça aos montes e são tantos que, às vezes, chega em casa com um rato na boca querendo armazenar alimento dentro de casa, debaixo da cama de Eda.”

Um hábito: todos os dias, em algum horário, da manhã ou da tarde, ele dorme na cama do casal e jamais é expulso. Dorme em cima da cama, refestelado. Conversa com dona Eda pelo olhar a quem obedece para ficar na cama, para ficar dentro de casa ou para sair.

Seu Wilson conta as histórias do gato grande e preto, suas peripécias, suas habilidades. 

Ele, o Gato-Despertador, passa por todos, não dá atenção para nada, não ouve nada, não faz questão de ouvir, sai do alpendre pelo portão e caminha devagar em direção à horta, onde, neste horário, colherá ratos para o seu jantar.

- É um gato para circo.

Opinião do seu Wilson.