segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

ONTEM, ONTEM MESMO E HOJE, AGORA



Tempos diversos, valores outros






Primeira sessão de fisioterapia


Eni, a enfermeira chefe, foi quem, naquela manhã, introduziu o tema. Partia da observação de episódios relatados pelo marido, de férias, perambulando pelo bairro.

Um jovem casal que mudara, recentemente, para o prédio vizinho, há menos de um ano, tivera todos os seus móveis retirados de casa.

-       O caminhão encostou e o apartamento foi desmontado.Levaram quase tudo. Deixaram o fogão e uma cama. Tiraram móveis, geladeira, televisão, som, tudo.

-       Logo depois, a mãe da moça apareceu e as duas saíram de casa levando duas malas. Foram para o ponto do ônibus. Meu bem, (o marido da Eni) ficou esperando para ver o que aconteceria com a chegada do rapaz. O rapaz não apareceu.


-       O que aconteceu? Eles casaram e montaram uma casa que não tiveram condições de pagar. Foram enganados pela propaganda e gastaram além do que podiam? Ela teria exigido a casa montada para casar? Ele foi o irresponsável? Antes, as pessoas faziam as suas casas na medida de suas condições.

-       Lembro do meu pai (da Eni, a enfermeira chefe) taqueando a casa aos poucos. Sala taqueada, ele colocou duas pilhas de tijolos e uma tábua. Era a nossa primeira poltrona em casa. E foi uma festa.


-       Não me lembro o tempo que levou para a casa ficar pronta, todos os quartos prontos, cozinha, dispensa, quintal. Lembro-me apenas que, primeiro, era o essencial, a comida e a escola dos meninos; depois, os móveis.

-       Quando chegou a geladeira foi uma festa e beber água gelada a novidade.

-       Hoje, não. As pessoas acham que têm que ter tudo antes. Fazem bobagens e sofrem as conseqüências de uma situação humilhante e desastrosa.

-       Os valores mudaram? As oportunidades?

-       As moças hoje não dão valor àquilo que é obtido com sacrifício e esforço. Ganham geladeira, fogão e outras coisas. Não sabem o valor de uma geladeira e de um fogão. Acham que tem direito a ter as coisas.

-       Você não acha que hoje as pessoas têm mais condições e que, portanto, podem economizar ao ganhar estes presentes, também porque as pessoas podem dar estes presentes e assim, com a nova realidade, os valores não só se mantém, mas os desafios são outros, mais complexos e até mais frutíferos.

-       Hoje, o taquear seria conquistar bens de maior valor. Há uma real riqueza e uma real valoração de novos bens e virtudes.  O mundo está melhor. Ontem, aquela poltrona de tijolo e madeira; hoje, um carro.

-       As mulheres não são mais as mesmas; ninguém mais se preocupa com a virgindade. Ninguém mais casa virgem. As mulheres trocam de maridos e de amantes com muito mais assiduidade ou com tanta assiduidade quanto os homens trocam de mulheres e de amantes. O casamento já não vale mais nada. Se nunca valeu, demoramos para descobrir. Tornou-se uma raridade uniões mais duradouras. Raridade que se tornará dentro de pouco tempo uma anomalia, uma extravagância e, olhe lá, se não entrar na próxima classificação das doenças mentais: casado. Estes são os valores que estão se revelando por aí.

-       Não seria uma evolução? Não seria uma condição da melhoria do bem estar e para a felicidade das pessoas?

Agora, a segunda sessão


O tema volta a ser a mudança de valores e as novas condições de vida das pessoas, por que as pessoas se isolam, pouco falam uma com as outras, as novas condições de vida, o conforto e a oferta de equipamentos e de opções.

Três televisões em uma casa, uma em cada quarto; vários carros em uma mesma família; poucos encontros; o fim da reunião familiar diária em torno da mesa; os estranhos em uma mesma casa; a divisão dos bens antes coletivos; o caso da família de cinco filhos em que cada uma das sete pessoas da casa tinha sua própria toalha de rosto e de banho, seu sabonete, sua pasta de dente e nenhum podia usar o objeto do outro – isto teria destruído a proximidade entre as pessoas produzindo seres indiferentes uns aos outros. Em pouco tempo acabará a família.