Tempos
diversos, valores outros
Primeira
sessão de fisioterapia
Eni,
a enfermeira chefe, foi quem, naquela manhã, introduziu o tema. Partia da
observação de episódios relatados pelo marido, de férias, perambulando pelo
bairro.
Um
jovem casal que mudara, recentemente, para o prédio vizinho, há menos de um
ano, tivera todos os seus móveis retirados de casa.
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O
caminhão encostou e o apartamento foi desmontado.Levaram quase tudo. Deixaram o
fogão e uma cama. Tiraram móveis, geladeira, televisão, som, tudo.
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Logo
depois, a mãe da moça apareceu e as duas saíram de casa levando duas malas.
Foram para o ponto do ônibus. Meu bem, (o marido da Eni) ficou esperando para
ver o que aconteceria com a chegada do rapaz. O rapaz não apareceu.
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O
que aconteceu? Eles casaram e montaram uma casa que não tiveram condições de
pagar. Foram enganados pela propaganda e gastaram além do que podiam? Ela teria
exigido a casa montada para casar? Ele foi o irresponsável? Antes, as pessoas
faziam as suas casas na medida de suas condições.
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Lembro
do meu pai (da Eni, a enfermeira chefe) taqueando a casa aos poucos. Sala
taqueada, ele colocou duas pilhas de tijolos e uma tábua. Era a nossa primeira
poltrona em casa. E foi uma festa.
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Não
me lembro o tempo que levou para a casa ficar pronta, todos os quartos prontos,
cozinha, dispensa, quintal. Lembro-me apenas que, primeiro, era o essencial, a
comida e a escola dos meninos; depois, os móveis.
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Quando
chegou a geladeira foi uma festa e beber água gelada a novidade.
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Hoje,
não. As pessoas acham que têm que ter tudo antes. Fazem bobagens e sofrem as
conseqüências de uma situação humilhante e desastrosa.
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Os
valores mudaram? As oportunidades?
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As
moças hoje não dão valor àquilo que é obtido com sacrifício e esforço. Ganham
geladeira, fogão e outras coisas. Não sabem o valor de uma geladeira e de um
fogão. Acham que tem direito a ter as coisas.
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Você
não acha que hoje as pessoas têm mais condições e que, portanto, podem
economizar ao ganhar estes presentes, também porque as pessoas podem dar estes
presentes e assim, com a nova realidade, os valores não só se mantém, mas os
desafios são outros, mais complexos e até mais frutíferos.
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Hoje,
o taquear seria conquistar bens de maior valor. Há uma real riqueza e uma real
valoração de novos bens e virtudes. O mundo
está melhor. Ontem, aquela poltrona de tijolo e madeira; hoje, um carro.
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As
mulheres não são mais as mesmas; ninguém mais se preocupa com a virgindade. Ninguém
mais casa virgem. As mulheres trocam de maridos e de amantes com muito mais
assiduidade ou com tanta assiduidade quanto os homens trocam de mulheres e de
amantes. O casamento já não vale mais nada. Se nunca valeu, demoramos para
descobrir. Tornou-se uma raridade uniões mais duradouras. Raridade que se
tornará dentro de pouco tempo uma anomalia, uma extravagância e, olhe lá, se
não entrar na próxima classificação das doenças mentais: casado. Estes são os
valores que estão se revelando por aí.
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Não
seria uma evolução? Não seria uma condição da melhoria do bem estar e para a
felicidade das pessoas?
Agora,
a segunda sessão
O
tema volta a ser a mudança de valores e as novas condições de vida das pessoas,
por que as pessoas se isolam, pouco falam uma com as outras, as novas condições
de vida, o conforto e a oferta de equipamentos e de opções.
Três
televisões em uma casa, uma em cada quarto; vários carros em uma mesma família;
poucos encontros; o fim da reunião familiar diária em torno da mesa; os
estranhos em uma mesma casa; a divisão dos bens antes coletivos; o caso da
família de cinco filhos em que cada uma das sete pessoas da casa tinha sua
própria toalha de rosto e de banho, seu sabonete, sua pasta de dente e nenhum
podia usar o objeto do outro – isto teria destruído a proximidade entre as
pessoas produzindo seres indiferentes uns aos outros. Em pouco tempo acabará a
família.
