sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

SEM PAZ E SEM GUERRA

Freud: A velada justificativa da guerra

A resposta de Freud 

ou

o recurso da metáfora







“De acordo com nossa hipótese, os instintos
humanos são de apenas dois tipos:

aqueles que tendem a preservar e unir
– que denominamos ‘eróticos’, exatamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra ‘Eros’ em seu Symposium, ou ‘sexuais’, com uma deliberada ampliação da concepção popular de  ‘sexualidade’ - ;

e aqueles que tendem a destruir e matar,
os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo. Como o senhor vê, isto não é senão uma formulação teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio, que talvez possa ter alguma relação básica com a polaridade entre atração e repulsão, que desempenha um papel em sua área de conhecimentos”.


S. Freud, Por que a Guerra? 1932


Os dois instintos humanos existiriam realmente como verdades comprovadas ou seriam recursos que se experimentariam para entender e explicar as ações humanas? Qual a validade destes recursos? Explicariam? Confundiriam ou apenas justificariam?

A vontade de viver teria sentido, entretanto como sentido (eu quero viver), justificativa (eu preciso viver), explicação (vivo porque vivo) e teria limitações, não se trataria de um imperativo.

A vontade de viver não seria a correspondência óbvia do instinto de preservação e união (contrário ao instinto que tenderia a destruição e a morte.

Preservar e unir teria, em alguns casos, como seu contrário a vontade de viver. A morte poderia ser aquilo que preserva. A morte poderia ser aquilo que une. E destruir corresponderia à vida. A morte não é necessariamente o contrário da vida, pode ser o seu sinônimo não apenas entre os seres vivos que se alimentam de seres vivos, que matam para viver, como dentro da história da evolução humana, quando se consideraria os avanços científicos, tecnológicos e econômicos resultantes de conquistas militares, isto é, das guerras, invasões e destruições.


O diálogo articulado entre Einstein e Freud, o diálogo entre um físico e um psicanalista, entre um cientista da matéria e um cientista da alma sobre a guerra, intitulado Por que a guerra?  corresponde a um momento da história européia (1932), na primeira metade do século XX, em que a movimentação dos guerreiros empolgava, amedrontava, ameaçava e impunha a incerteza (a morte violenta era a possibilidade concreta).


No diálogo, uma proposta de diálogo, o diálogo não existe.

Existem apenas duas cartas, uma pergunta, fundamentada, e uma resposta, fundamentada. Uma inquietação, um temor, uma postura.

Na resposta de Freud, há uma velada justificativa da guerra - também ele se declara pacifista, com certa imprecisão. Teria Freud, com alguma certeza, compreendido as razões dos alemães, em 40, e as razões do palestinos, a partir, de então, agora, as vítimas da mais longa das guerras de extermínio de toda a história dos conflitos militares?
O arcabouço teórico da psicanálise buscava na literatura as metáforas facilitadoras do entendimento humano – daquilo que se propunha à análise. 
Inquestionavelmente talentosas estas análises agora permitem eliminar ou pelo menos deixar de lado alguns recursos, como o instinto de destruição e de morte.
Não existe a destruição e a morte como instintos.
A destruição não pode ser uma característica humana. O homem não é destruidor por natureza (embora destrua a natureza açodadamente). A natureza não é assassina. Se a destruição corresponder a conhecimento, se a destruição corresponder à divisão em partes, à análise, a um avanço do conhecimento, a algo positivo, então sim, com uma nova conceitualização poderá ser entendida como característica humana.
A destruição humana (a guerra) não pode ser compreendida como característica humana porque corresponderia ao auto-extermínio.
Destruir significando acabar, terminar, morte, fim, agrega uma negatividade que também não sobrevive à história do homem: o homem não destrói por destruir e nem sempre destruir significa acabar, pode significar o novo, o começo e não um fim determinante, taxativo, um nada que jamais existiu, nem existirá.
O instinto da morte também não existe como uma característica do homem. A morte não existe separada da vida, o não-ser está no ser. Enquanto existir vida existirá tão somente vida. Na vida não existe morte. Na morte não existe vida. E a morte não tem instinto.
Instinto é um substantivo definido como “um fator inato de comportamento dos animais... automático... forças que atuam de maneira inconsciente... com finalidade precisa e independente... tendência natural... aptidão inata...impulso espontâneo e alheio à razão”, segundo o dicionário Aurélio.
Nem a morte é automática e nem a destruição é inconsciente.
Destruição inconsciente é um acidente (e na guerra há estratégia, o planejamento e a suposta certeza da consciência de fazer o que deve ser feito: matar) e a morte não é um acidente, é uma conseqüência natural do ser (o não-ser).



Não existe a destruição e a morte como instintos.