Freud: A velada justificativa da guerra |
A resposta de Freud
ou
o recurso da metáfora
“De acordo com nossa
hipótese, os instintos
humanos são de apenas
dois tipos:
aqueles que tendem a preservar e unir
– que denominamos
‘eróticos’, exatamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra ‘Eros’ em
seu Symposium, ou ‘sexuais’, com uma deliberada ampliação da concepção popular
de ‘sexualidade’ - ;
e aqueles que tendem a
destruir e matar,
os quais agrupamos como
instinto agressivo ou destrutivo. Como o senhor vê, isto não é senão uma formulação
teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio, que talvez
possa ter alguma relação básica com a polaridade entre atração e repulsão, que
desempenha um papel em sua área de conhecimentos”.
S. Freud,
Por que a Guerra? 1932
Os
dois instintos humanos existiriam realmente como verdades comprovadas ou seriam
recursos que se experimentariam para entender e explicar as ações humanas? Qual
a validade destes recursos? Explicariam? Confundiriam ou apenas justificariam?
A
vontade de viver teria sentido, entretanto como sentido (eu quero viver),
justificativa (eu preciso viver), explicação (vivo porque vivo) e teria
limitações, não se trataria de um imperativo.
A
vontade de viver não seria a correspondência óbvia do instinto de preservação e
união (contrário ao instinto que tenderia a destruição e a morte.
Preservar
e unir teria, em alguns casos, como seu contrário a vontade de viver. A morte
poderia ser aquilo que preserva. A morte poderia ser aquilo que une. E destruir
corresponderia à vida. A morte não é necessariamente o contrário da vida, pode
ser o seu sinônimo não apenas entre os seres vivos que se alimentam de seres
vivos, que matam para viver, como dentro da história da evolução humana, quando
se consideraria os avanços científicos, tecnológicos e econômicos resultantes
de conquistas militares, isto é, das guerras, invasões e destruições.
O
diálogo articulado entre Einstein e Freud, o diálogo entre um físico e um
psicanalista, entre um cientista da matéria e um cientista da alma sobre a
guerra, intitulado Por que a guerra?
corresponde a um momento da história
européia (1932), na primeira metade do século XX, em que a movimentação dos
guerreiros empolgava, amedrontava, ameaçava e impunha a incerteza (a morte
violenta era a possibilidade concreta).
No
diálogo, uma proposta de diálogo, o diálogo não existe.
Existem
apenas duas cartas, uma pergunta, fundamentada, e uma resposta, fundamentada.
Uma inquietação, um temor, uma postura.
Na
resposta de Freud, há uma velada justificativa da guerra - também ele se
declara pacifista, com certa imprecisão. Teria Freud, com alguma certeza,
compreendido as razões dos alemães, em 40, e as razões do palestinos, a partir,
de então, agora, as vítimas da mais longa das guerras de extermínio de toda a
história dos conflitos militares?
O arcabouço teórico da psicanálise buscava na
literatura as metáforas facilitadoras do entendimento humano – daquilo que se
propunha à análise.
Inquestionavelmente talentosas estas análises agora
permitem eliminar ou pelo menos deixar de lado alguns recursos, como o instinto
de destruição e de morte.
Não existe a destruição e a morte como
instintos.
A destruição não pode ser uma característica
humana. O homem não é destruidor por natureza (embora destrua a natureza açodadamente).
A natureza não é assassina. Se a destruição corresponder a conhecimento, se a
destruição corresponder à divisão em partes, à análise, a um avanço do
conhecimento, a algo positivo, então sim, com uma nova conceitualização poderá
ser entendida como característica humana.
A destruição humana (a guerra) não pode ser
compreendida como característica humana porque corresponderia ao
auto-extermínio.
Destruir significando acabar, terminar, morte,
fim, agrega uma negatividade que também não sobrevive à história do homem: o
homem não destrói por destruir e nem sempre destruir significa acabar, pode
significar o novo, o começo e não um fim determinante, taxativo, um nada que
jamais existiu, nem existirá.
O instinto da morte também não existe como uma característica
do homem. A morte não existe separada da vida, o não-ser está no ser. Enquanto
existir vida existirá tão somente vida. Na vida não existe morte. Na morte não
existe vida. E a morte não tem instinto.
Instinto é um substantivo definido como “um
fator inato de comportamento dos animais... automático... forças que atuam de
maneira inconsciente... com finalidade precisa e independente... tendência
natural... aptidão inata...impulso espontâneo e alheio à razão”, segundo o
dicionário Aurélio.
Nem a morte é automática e nem a destruição é
inconsciente.
Destruição inconsciente é um acidente (e na
guerra há estratégia, o planejamento e a suposta certeza da consciência de
fazer o que deve ser feito: matar) e a morte não é um acidente, é uma
conseqüência natural do ser (o não-ser).
Não existe a destruição e a morte como instintos. |