quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A PRIMEIRA FILHA








Até Maria Márcia. 

Rápido, rápido 


Gustavo Augusto Lira


É a história da minha primeira filha. Acho que ela foi a minha primeira filha porque da minha relação com Florípedes não sei o que aconteceu.

“Florípedes desapareceu quando descobriram que ela estava grávida? Ou ela descobriu a gravidez e decidiu ter a criança em sua casa no Mucuri?”.

Os encontros com Florípedes eram sempre escondidos e ao amanhecer quando todos ainda dormiam.

“Tudo super-rápido para a agonia de Florípedes, frustrada ao não ter mais seu homem dentro dela”.

Conformava, sabia que tinham que ser rápidos senão seriam descobertos. As nossas melhores horas eram à tarde com a casa vazia. Ficava apenas dona Zé que dormia depois do almoço nunca menos de duas horas.

Florípedes era uma moça feliz. Rogério também. Cedo, era pimba, tudo rapidinho, voltar para o chuveiro e seguir para o colégio.

“A sobremesa servida horas antes da mais gostosa de todas as refeições, é também a mais gostosa sobremesa”.

Ela dizia algo assim.

Quando a polícia política apareceu pela primeira vez, os dois nunca mais se viram. Rogério escapou para o Jequitinhonha. Na volta, meses depois, ficou sabendo que Florípedes voltara para o Mucuri, “foi para a casa dos pais”. Grávida?

No inverno, depois da prisão em Juiz de Fora, na Zona da Mata, o irmão de Rogério e Marlene, preocupados, apresentaram Márcia. Primeiros encontros num bar com reservados na Avenida Amazonas, em frente à Escola Técnica Federal.

Quando marcaram um encontro no apartamento de Márcia na rua Guajajaras esquina com rua da Bahia, a realidade: Márcia era casada com o doutor Alberto, tinha duas filhas, a mais velha com três anos e estava “separando” do marido, “um bêbado”.

Verdade, o bêbado.

A separação, naquele momento, era apenas a vontade do pai dela.

Muitas vezes, o doutor Alberto chegava já madrugadas. Entrava pela porta da frente. Rogério saia pela porta da cozinha. Isto durou pouco.

Márcia, filha de banqueiro, alugou um apartamento na avenida Amazonas esquina com rua da Bahia. Terceiro andar que, com as lojas e as garagens e o espaço reservado ao Tribunal Militar, correspondia a um sexto andar dos prédios de apartamentos da rua da Bahia.

O pai de Márcia aprovava a separação. Não aprovava o relacionamento de Márcia com um “bandido”.

Um homem que - ele levantara toda a sua ficha - era um comunista.

A qualquer momento voltaria a ser preso. Foi o que dissera o general Gudesteu, seu parceiro de poker e de negócios bancários.

- Minha filha, se encontrar este cara na sua casa, vou matá-lo.

A arma na mão era uma pistola automática de uso exclusivo das forças armadas. Pistola automática calibre 45.

Eles acabaram se encontrando. No Pronto Socorro. Rogério, Márcia e o pai dela, Ariovaldo Peixoto, doutor Ariovaldo, quando davam assistência às duas meninas, filhas da Márcia. Intoxicadas depois que chuparam as “balinhas coloridas” encontradas na gaveta de remédios> No mesmo dia, as meninas tiveram alta.

Desta Rogério escapou, mas viu, dentro do hospital, que seu assassino poderoso estava armado. Viu um volume na cintura. Imaginou a pistola 45 e teve dúvidas se ele carregaria aquela arma na cintura.

- Desapareça, ele está armado.

Ela tinha certeza. Rogério desapareceu dentro do hospital.

O segundo encontro, na semana seguinte, ainda cedo.

Pelo visor, ao atender a campainha, Márcia sussurrou:

- É pai

Combinaram rápido. Rogério do quarto do casal passaria pelo parapeito da janela do quarto para a janela da sala. Ela diria para o pai que Rogério estava no quarto dormindo. Ela trancaria a porta do corredor e era o tempo suficiente para Rogério escapar. Quase falhou. Ao sair no parapeito. Na passagem entre as duas janelas, os vizinhos do prédio da rua da Bahia começaram a gritar

- Pula! Pula!

- Pula!

O coro chamou a atenção do doutor Ariovaldo. Ele chegou na janela, arma na mão e Rogério já estava no corredor. Márcia trancou a porta da rua.
O doutor Ariovaldo não teve forças e nem vontade de quebrar a porta do quarto, aberta por Márcia.

Ao pai, à mãe e ao irmão, no corredor do Hospital Felício Roxo, garantiu que nunca mais se encontraria com Rogério e que, como era desejo da família, mudaria para a França, logo depois do Natal.

Antes, sua determinação era retomar os contatos com Rogério. Não era o que ele considerava o melhor para os dois e para os seus pais.

Decidido a romper aquela situação, ele evitava, viajando, encontrar-se com a Márcia até que um dia, ela chegou na casa da mãe dele, na rua Safira, ao lado da igreja Cura D’Ars com os dois pulsos enfaixados. Ela tentara suicídio e falara para dona Zé, mãe de Rogério, que, caso, os dois não mais voltassem a se encontrar, ela se mataria mesmo.

- Tire as faixas dos pulsos dela. Ela não tentou suicídio.

Rogério ouviu o conselho. Não arriscou.

De Belo Horizonte foi em direção a Montevidéu. Capturado em Chuí, na fronteira com o Uruguai, ficou preso em Porto Alegre.

Grávida, Márcia voltou com o doutor Alberto e cumpriu o desejo de seus pais. Mudou para Paris.

Na França, nasceu Maria Márcia.