Um homem bom
Justo Rivaldáver
Bá sempre se postou diante de nós como o
melhor, o mais capaz, o mais inteligente e o mais experiente. Muito disso ele
sustentou ao longo de sua vida e, por isso, quando ele me enfrentou - eu, em
conflito com o meu pai, não conversava com ele havia dois anos, era trabalho,
era família, filhos, era compromissos profissionais, tudo nos afastava e era
razão para nenhum encontro, nenhuma conversa – eu o ouvi.
Entre nós dois, entre eu e pai, o silêncio
vencia. Sempre.
Considerei a advertência daquele que era o “mais
experiente, mais vivido”.
Bá não admitia o conflito e muito menos o
distanciamento, o não falar, não se aproximar, não estar junto.
- É um erro grave, você se arrependerá
profundamente da sua atitude. Seu pai é um homem bom.
Um homem bom. Bá, Barrela, jogou isto dentro
da minha cabeça há mais de cinco anos.
Agora, ali, sentado respeitosamente, diante
de pai, o psiquiatra Newton Figueiredo, filho de um mestre, amigo e fundador de
pessoas, repetiria Bá, indo um pouco mais além.
- Tito velho! - e pegou em sua mão.
A posição dos dois era a de um quadro
clássico, pai deitado na poltrona, Newton sentado na cadeira, com a maleta de
médico no colo, curvado, como que rezava.
- Tito velho, você é meu irmão mais velho. Ele
sempre foi o nosso irmão mais velho, meu amigo, meu bom Tito. São Tito.
Newton ria da sua brincadeira canonizadora e
os dois trocavam olhares de velhos amigos e de muitas histórias. Os dois riam.
Por que estas constantes referências ao meu
pai como um homem bom? Foi ele, para mim, um bom pai?
Eu não saberia dizer sim ou não. Estive mais
fora de casa do que dentro, estava no mundo e de longe tinha notícias, sabia da
sua luta e o meu mundo era um mundo muito distante.
E neste mundo distante, várias vezes, ele me
surpreendeu, aproximando-se, para me salvar das garras dos meus carrascos. Ele
sabia que seu filho corria riscos. Na cela nua e sem alimentos, sem água,
definhando dentro de um antigo necrotério adaptado em prisão, a notícia de que
meu pai estava por perto simbolizava que a sobrevivência era possível.
Imaginava-o conversando com os policiais. Seus
argumentos os surpreenderia pela concisão e precisão para aquele momento. Abordaria
de forma adequada o policial corrupto e o policial em busca de promoção, o
policial indiferente e o policial besta-humana.
Imaginava sua indignação e a forma delicada
e firme com que conduziria aquela resistência e o meu salvamento. Eu estava em
boas mãos, meu pai jamais me faltaria. Falávamos sem palavra e sem presenças.
Isto - sem presença - não invalida a crítica
de Barrela e nem uso esta expressão como argumento.
O que eu aprendi com o meu pai? Quais foram
as lições que ele me deu a partir do momento em que, derrotado, expulso da casa
que construí e em que vivi quase vinte anos, agora sem mulher, embora as
tivesse e muitas, mas sem a minha mulher e sem os meus filhos, embora os
tivesse em muitas paragens, mas sem os filhos com os quais convivia noite e
dia, amava-os em suas aventuras e admirava e assustava com o crescimento do ser
humano, admirado com a beleza do ser e de seu desenvolvimento, os filhos sendo
capazes e potencializáveis como melhores que os pais, melhores que os avós –
com certeza?
Sem onde dormir e sem o que comer, sem
trabalho, doente e sem tratamento, cheio de vergonha, bati na porta do meu pai.
Tive uma cama, ganhei comida.
Seu olhar sem censura, amável, seus
silêncios, eloquentes, seu drama, imenso, nada quebrava sua vontade ser um
homem bom.
Descobri que nele havia a vontade de ser um
homem bom.
- Afinal, quem é um homem bom?