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Meu nome é Tat, Lucrécia Tat, como James Bond, |
Uma
chance para a vida
Justo
Rivaldáver
Rita me apanhou, o
horário da tarde de visitas aos pacientes internados no CTI começa às 16h.
Hoje é o meu dia e
horário. Identificação. Seis pessoas de cada vez. Pai está na ala C do CTI.
Lavar as mãos e
colocar, sobre a roupa, roupas especiais e limpas. Pai está lá. Não o
reconheço, reconhecendo, nos primeiros dois olhares e peço ajuda, “Doutor Tito
Guimarães”.
- Lá.
É ele mesmo. Não o
aceitava porque o quadro me amedrontou e apavorou. Pai está mal, dormindo, boca
aberta, sem dentes, banguelo, igual ao velho da urgência, barba grande de três
dias. Chamo. “Pai”. Ele assusta. Dormia. Olha-me com um olho aberto e o outro
fechado devido à borracha de uma sonda.
Afasto a borracha
e ele abre o outro olho, reclama, “demorou a chegar, tem uma hora que estou
esperando”. Está ansioso e reclama de cansaço. Cansaço que ele atribui não a
esforço físico mas à mente.
- É como estar em
uma solitária, observo. O senhor está pensando muito?
- Eu não consigo
pensar.
Deveria ficar 10
minutos, fiquei meia hora.
Aos pés da cama
dele, duas enfermeiras controlando-o e à aparelhagem.
Ao lado, em outro
boxe, a mesma cena. Duas enfermeiras ao lado de um jovem. Uma enfermeira
chamada Lucrécia Tat brinca e insinua que poderia despertá-lo sexualmente.
- Posso pegar mais
nas suas pernas meu rapaz?
Massagem leve nas
pernas negras e inchadas do rapaz. Ela me olha. O senhor que acompanha o rapaz
pergunta seu nome.
- Seu nome é
Lucrécia Tat?
Está no crachá.
- Como James Bond,
eu me chamo Tat, Lucrécia Tat.
Ele poderia
avançar mais sobre ela, mas avaliou o estrago. Ela quer e o rodeia. Está no cio
ali e me lembro da enfermeira Doudou, de Isaac Babel. Em volta. muitas
mulheres. Quantas seriam capazes de terem a atitude da Doudou agora Tat, Lucrécia
Tat?
Um médico rapaz,
um jovem, aparece. Ele também quer o que elas querem ou não quer nada, “deve
viver para estudar e já perdeu a tesão ou a possibilidade de provocar tesões”.
Tat, Lucrécia Tat passa
o endereço dela para o senhor que acompanha o rapaz.
“Moramos muito
perto e um dia vamos comer juntos. Combinados?”.
O rapaz sorri.
Doudou estava certa.
Dr. Zerbine
examina a cirurgia, os pontos, o abdômen e o local de passagem das fezes. Abre
e vê as fezes saírem pelo tubo colocado no intestino.
- O intestino
funcionou – disse o médico.
Uma vitória, uma
bela evolução na cirurgia. O tumor que foi retirado do intestino era maligno.
“Quando eu vi o tumor filmado pela câmera no intestino de pai, vi um tumor
parecido com uma couve-flor. Este formato teria provocado a hemorragia e ela
foi a salvação de pai. Se fosse um tumor liso, redondo, ele cresceria e jamais
seria percebido a não ser depois que tivesse tomado todo o intestino”.
Sorrindo, pai fala
“foi você quem descobriu o que eu queria esconder e me salvou”.
- Quem te salvou
foi Rita, que na mesma hora te levou para o hospital.
Ele me olha e
agradece.
Pai não sabia o
que queria e mesmo amando a vida, querendo viver, contraditoriamente, não
queria interferir naquele fato, assim criava interpretações para a realidade: a
hemorragia. Ele achava que poderia controlá-la. Acreditava, como porreteiro,
puro porreteiro.
- Tito é um
porreteiro – dizia tia Geni, a chefe da Enfermagem do Hospital São Lucas,
abordando a experiência de clínica médica do irmão dentista, “cirurgião-dentista”,
ele corrigia.
Porreteiro equivalia
a charlatão. A conotação carinhosa e compreensiva era dada à palavra por tia
Geni ao acrescentar “um porreteiro que acertava todos os diagnósticos, 100% de
acertos”.
Pela primeira vez
ouvi pai dizer a palavra correta para a crítica sempre alegre que lhe fazia sua
irmã.
Era o dentista do
interior, o cirurgião e dentista que tratava dos dentes e de tudo o mais, assim
como os farmacêuticos e os poucos profissionais da área de saúde que viviam no
interior do país na primeira metade do século XX, eram os precursores da
biocibernética bucal.
Em São Paulo, conheci
o dr. Carlo Marchezini, um profissional da odontologia e membro fundador da
Sociedade Brasileira de Biocibernética Bucal.
Era o caminho para
entender o papel destes pioneiros da odontologia.
No site da
Sociedade Brasileira de Biocibernética Bucal, a informação concisa do conceito
da biocibernética bucal, a nova odontologia que aqueles intrépidos porreteiros
do interior anteciparam em umas tantas décadas:
“A Bio Cibernética Bucal é uma
escola oclusal que busca a manutenção da relação maxilo-mandibular dentro da
antropometria (proporção humana), afirmando que assim se manterá o eixo
postural biológico. Determina que o adequado desenvolvimento do sistema
estomatognático (boca) é fundamental para a postura humana, pois esse é de suma
importância para o posicionamento fisiológico da língua e o reflexo da deglutição.
Afirma
que a deglutição é um reflexo automático e exclusivo da criatura humana, que
ocorre dentro da cavidade bucal, de suma importância na manutenção do eixo
postural e absolutamente determinante no mecanismo da cognição e na dinâmica da
coluna vertebral.
Sendo
assim, o posicionamento espacial da língua, que delimita e ordena a morfologia
(forma) das arcadas dentárias é fator fundamental na manutenção do eixo humano,
repercutindo sobremaneira nos aspectos físico e comportamental do indivíduo.
Seu
tratamento é feito através de aparatologia intrabucal e reprogramação dos
conceitos biológicos do paciente.