terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O PORRETEIRO





Meu nome é Tat, Lucrécia Tat, como James Bond, 




Uma chance para a vida



Justo Rivaldáver



Rita me apanhou, o horário da tarde de visitas aos pacientes internados no CTI começa às 16h.

Hoje é o meu dia e horário. Identificação. Seis pessoas de cada vez. Pai está na ala C do CTI.

Lavar as mãos e colocar, sobre a roupa, roupas especiais e limpas. Pai está lá. Não o reconheço, reconhecendo, nos primeiros dois olhares e peço ajuda, “Doutor Tito Guimarães”.

- Lá.

É ele mesmo. Não o aceitava porque o quadro me amedrontou e apavorou. Pai está mal, dormindo, boca aberta, sem dentes, banguelo, igual ao velho da urgência, barba grande de três dias. Chamo. “Pai”. Ele assusta. Dormia. Olha-me com um olho aberto e o outro fechado devido à borracha de uma sonda.

Afasto a borracha e ele abre o outro olho, reclama, “demorou a chegar, tem uma hora que estou esperando”. Está ansioso e reclama de cansaço. Cansaço que ele atribui não a esforço físico mas à mente.


- É como estar em uma solitária, observo. O senhor está pensando muito?


- Eu não consigo pensar.


Deveria ficar 10 minutos, fiquei meia hora.


Aos pés da cama dele, duas enfermeiras controlando-o e à aparelhagem.


Ao lado, em outro boxe, a mesma cena. Duas enfermeiras ao lado de um jovem. Uma enfermeira chamada Lucrécia Tat brinca e insinua que poderia despertá-lo sexualmente.


- Posso pegar mais nas suas pernas meu rapaz?


Massagem leve nas pernas negras e inchadas do rapaz. Ela me olha. O senhor que acompanha o rapaz pergunta seu nome.


- Seu nome é Lucrécia Tat?


Está no crachá.


- Como James Bond, eu me chamo Tat, Lucrécia Tat.


Ele poderia avançar mais sobre ela, mas avaliou o estrago. Ela quer e o rodeia. Está no cio ali e me lembro da enfermeira Doudou, de Isaac Babel. Em volta. muitas mulheres. Quantas seriam capazes de terem a atitude da Doudou agora Tat, Lucrécia Tat?


Um médico rapaz, um jovem, aparece. Ele também quer o que elas querem ou não quer nada, “deve viver para estudar e já perdeu a tesão ou a possibilidade de provocar tesões”.


Tat, Lucrécia Tat passa o endereço dela para o senhor que acompanha o rapaz.


“Moramos muito perto e um dia vamos comer juntos. Combinados?”.


O rapaz sorri. Doudou estava certa.


Dr. Zerbine examina a cirurgia, os pontos, o abdômen e o local de passagem das fezes. Abre e vê as fezes saírem pelo tubo colocado no intestino.



- O intestino funcionou – disse o médico.


Uma vitória, uma bela evolução na cirurgia. O tumor que foi retirado do intestino era maligno. “Quando eu vi o tumor filmado pela câmera no intestino de pai, vi um tumor parecido com uma couve-flor. Este formato teria provocado a hemorragia e ela foi a salvação de pai. Se fosse um tumor liso, redondo, ele cresceria e jamais seria percebido a não ser depois que tivesse tomado todo o intestino”.



Sorrindo, pai fala “foi você quem descobriu o que eu queria esconder e me salvou”.


- Quem te salvou foi Rita, que na mesma hora te levou para o hospital.


Ele me olha e agradece.


Pai não sabia o que queria e mesmo amando a vida, querendo viver, contraditoriamente, não queria interferir naquele fato, assim criava interpretações para a realidade: a hemorragia. Ele achava que poderia controlá-la. Acreditava, como porreteiro, puro porreteiro.


- Tito é um porreteiro – dizia tia Geni, a chefe da Enfermagem do Hospital São Lucas, abordando a experiência de clínica médica do irmão dentista, “cirurgião-dentista”, ele corrigia.


Porreteiro equivalia a charlatão. A conotação carinhosa e compreensiva era dada à palavra por tia Geni ao acrescentar “um porreteiro que acertava todos os diagnósticos, 100% de acertos”.


Pela primeira vez ouvi pai dizer a palavra correta para a crítica sempre alegre que lhe fazia sua irmã.


Era o dentista do interior, o cirurgião e dentista que tratava dos dentes e de tudo o mais, assim como os farmacêuticos e os poucos profissionais da área de saúde que viviam no interior do país na primeira metade do século XX, eram os precursores da biocibernética bucal.


Em São Paulo, conheci o dr. Carlo Marchezini, um profissional da odontologia e membro fundador da Sociedade Brasileira de Biocibernética Bucal.

Era o caminho para entender o papel destes pioneiros da odontologia.


No site da Sociedade Brasileira de Biocibernética Bucal, a informação concisa do conceito da biocibernética bucal, a nova odontologia que aqueles intrépidos porreteiros do interior anteciparam em umas tantas décadas:


A Bio Cibernética Bucal é uma escola oclusal que busca a manutenção da relação maxilo-mandibular dentro da antropometria (proporção humana), afirmando que assim se manterá o eixo postural biológico. Determina que o adequado desenvolvimento do sistema estomatognático (boca) é fundamental para a postura humana, pois esse é de suma importância para o posicionamento fisiológico da língua e o reflexo da deglutição.

Afirma que a deglutição é um reflexo automático e exclusivo da criatura humana, que ocorre dentro da cavidade bucal, de suma importância na manutenção do eixo postural e absolutamente determinante no mecanismo da cognição e na dinâmica da coluna vertebral.

Sendo assim, o posicionamento espacial da língua, que delimita e ordena a morfologia (forma) das arcadas dentárias é fator fundamental na manutenção do eixo humano, repercutindo sobremaneira nos aspectos físico e comportamental do indivíduo. 

Seu tratamento é feito através de aparatologia intrabucal e reprogramação dos conceitos biológicos do paciente.